quarta-feira, novembro 05, 2014

De Dilma para Dilma - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 05/11 


A presidente Dilma Rousseff tem consciência de que precisa mudar a política econômica. Sabe que o risco, neste momento, é o país entrar numa grave crise econômica.

"Não tem saída", disse a esta coluna um interlocutor privilegiado da presidente.

"Tenho certeza absoluta de que o governo vai fazer o ajuste." Apesar de ter consciência dos problemas, Dilma não tem a urgência dos mercados: ela ainda não escolheu quem substituirá Guido Mantega no comando do Ministério da Fazenda. Nem muito menos quem presidirá o Banco Central (BC) a partir de janeiro. "Ela não tem a urgência do curto prazo. Vai fazer tudo ao seu tempo", contou um auxiliar.

Há um jogo de bastidor em curso, além da tentativa de setores do PT de impedir uma guinada ortodoxa: a presidente analisa, de fato, a nomeação de Henrique Meirelles para a Fazenda, mas há um rito a ser seguido. O primeiro passo é tratar do assunto com o ex-presidente Lula. Este já fez chegar a Dilma sua predileção por Meirelles, que presidiu o BC de forma bem-sucedida em seus dois mandatos. Mas não houve ainda uma "conversa pessoal" entre os dois. "A presidente não vai fazer nada sem antes conversar com uma pessoa: Lula", revelou uma fonte.

Há outras duas condições.

Dilma não aceitará a ideia, muito forte nos mercados, de que Meirelles entrará para o governo como o "salvador da pátria". "Ela não teve 54 milhões de votos para se submeter a isso", observou um colaborador. O outro aspecto relevante é o estabelecimento de um "acordo de convivência" entre os dois.

Em 2013, Lula tentou convencer Dilma a levar Meirelles para o governo. O argumento, já em abril daquele ano, é que isso ajudaria a restaurar a credibilidade da política econômica, abalada por contabilidades criativas e que tais. Lula está convencido de que, se tivesse seguido seus conselhos, Dilma teria vencido a eleição no primeiro turno, sem sustos.

Ao tempo em que o ex-presidente fez a indicação, havia apenas uma palavra para definir o que a presidente sentia por Meirelles: "desprezo".

Conforme noticiou a repórter Andréa Jubé, do Valor, Dilma mudou de ideia. "Hoje é diferente. As circunstâncias mudaram", comentou um assessor. "Continuo achando difícil [a escolha de Meirelles], porém, hoje, não descarto." Dilma não gosta de Meirelles porque o considera "liberal". Em 2010, pressionou-o mais de uma vez porque o BC iniciou um ciclo de aperto monetário em meio à campanha presidencial - na verdade, fez isso em abril, junho e julho, mas parou em setembro, véspera da eleição, mesmo tendo sinalizado antes que seria necessário elevar a taxa básica de juros (Selic) naquele momento.

Na transição de governo, a então candidata eleita teria dito a Meirelles que gostaria de chegar ao último ano do primeiro mandato com Selic real inferior a 2% ao ano. O então presidente do BC teria afirmado que não é possível trabalhar com meta de juros, mas, sim, de dívida pública, pré-condição para a queda da taxa Selic. Dilma não gostou e Meirelles ficou fora do governo. O então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, ainda se esforçou, em vão, para indicá-lo a outro cargo.

Pode não ser de agora a mudança de opinião de Dilma quanto a Meirelles. Durante a campanha, o ex-presidente do BC recebeu alguns sinais do entorno da presidente, todos na direção de que ele pode vir a ser convidado a integrar o novo governo. Mas havia também a percepção de que isso só ocorreria se a situação econômica do país piorasse. O fato é que piorou e tudo indica que continuará piorando se nada for feito.

Se a nomeação de Meirelles não se confirmar, Nelson Barbosa pode vir a ser convidado. A relação de Dilma com o ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda não é hoje das melhores, a presidente se chateou com a forma como ele deixou o governo e mais ainda com as críticas que vem fazendo à sua política econômica - sabe-se agora, por exemplo, que, numa reunião fechada promovida pela Anbima, ele teria tachado de "desastrosa" a decisão do BC de reduzir juros em agosto de 2011.

Apesar disso, Dilma gosta de Barbosa e se sente ideologicamente próxima dele.

As rusgas de Nelson Barbosa com Mantega e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, que deve continuar no governo, embora em outro cargo, não representam um impeditivo, garante um assessor.

O trabalho de quem assumir a Fazenda não será nada fácil. O quadro é de deterioração dos principais fundamentos da economia. No afã de produzir resultados a curto prazo, o governo lançou mão de uma série de experimentos heterodoxos que, no fim, não apenas não produziram os resultados esperados, mas também colocaram em risco conquistas alcançadas nos últimos 20 anos, como o controle da inflação e o equilíbrio das contas públicas.

O quadro abaixo mostra o país que a presidente Dilma encontrou e o que está entregando quatro anos depois.

Ela entrega, na verdade, a si mesma porque, reeleita, terá que lidar com a própria herança. Os indicadores fiscais e externos mostram forte deterioração, mas, a rigor, tudo piorou: inflação, investimento e PIB.



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