domingo, outubro 19, 2014

João 'Bicho-Papão' Santana - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 19/10


Marqueteiro americano foi pioneiro no uso da "propaganda negativa" para atacar adversários. A "baixaria" da campanha eleitoral, que tecnicamente chama-se "propaganda negativa", tem levado o marqueteiro oficial João Santana a ser comparado com Goebbels, o ministro da propaganda nazista, a quem se atribui a tese de que uma mentira repetida acaba virando verdade. Santana diz que trabalha não com mentiras, mas "com o imaginário da população, com produções simbólicas".

Na verdade, essa maneira agressiva de utilizar a "propaganda negativa" para desconstruir os adversários tem um pioneiro na História política contemporânea, e não poderia deixar de ser um marqueteiro americano, pois nos Estados Unidos é onde se pratica a mais violenta propaganda política.

A história de Lee Atwater está contada num filme chamado "O Bicho-Papão" ("Boogie Man"), apelido por que era conhecido, de que já tratei aqui na campanha eleitoral de 2008 que levou Barack Obama à Presidência. Vale a pena rememorar. Como marqueteiro político, era tão ligado aos republicanos que foi nomeado pelo então presidente George Bush pai para presidir o Partido Republicano, a primeira vez que um não parlamentar ocupou o cargo.

Atwater chamou a atenção pela primeira vez em termos nacionais quando, aos 29 anos, teve papel importante na indicação de Ronald Reagan como candidato oficial do Partido Republicano em 1980, e, depois, na concepção de sua campanha, que teve início propositalmente na Filadélfia, lugar onde em 1963 foram assassinados três militantes dos direitos civis.

Durante o governo Reagan, Atwater trabalhou na Casa Branca e teve papel importante no escândalo Irã-Contras, organizando as manobras de marketing para livrar o presidente das acusações. Foi nesse período que se aproximou do então vice-presidente George Bush pai, de quem depois seria o principal assessor. Lee Atwater foi o primeiro assessor político a fazer pesquisas induzidas, e instintivamente entendeu que poderia incutir medo nos eleitores, explorando seus sentimentos patrióticos e religiosos.

Na sua primeira campanha, em 1978, curiosamente no Partido Democrata na Carolina do Sul, ele ajudou a derrotar Max Heller, um popular prefeito de Greenville, dando a vitória a Don Sprouse - que acusava Heller de, por ser judeu, não acreditar "no Nosso Senhor Jesus Cristo".

Foi a campanha de George Bush pai em 1988 que trouxe de vez a fama para Lee Atwater, começando pelas primárias, onde o primeiro a ser atacado foi o senador Bob Dole, acusado em propagandas de ser "O Senador Indefinido", mostrando-o como um político inconsistente, que mudava de opinião a toda hora. A tal ponto que, em um debate, perguntado pelo moderador Tom Brokaw se tinha algo a dizer a seu adversário, respondeu rispidamente: "Pare de mentir a respeito de minha história".

A campanha negativa marcou a marcha de George Bush para a Casa Branca, e a propaganda até hoje lembrada como uma das mais sujas da História política americana foi sobre o prisioneiro Willie Horton, condenado à prisão perpétua por assassinato, que saiu da cadeia dentro de um programa social implantado em Massachusetts pelo governador Michael Dukakis, praticou um assalto e estuprou uma mulher.

O candidato democrata, que tinha uma ampla vantagem, acabou sendo batido por Bush. O programa social tão criticado por Bush havia sido implantado pela primeira vez na Califórnia pelo então governador Ronald Reagan, mas os democratas não souberam responder ao ataque.

Durante essa campanha, Atwater ficou amigo da família Bush, especialmente do filho George W. Bush, e foi dele a ideia de fazê-lo candidato ao governo do Texas. Morreu em 1991, sem ter tempo de ver sua invenção chegar à Presidência dos Estados Unidos. Durante o período em que esteve doente, antes de morrer, Atwater ainda teve tempo de se arrepender de seus métodos, deu entrevistas e enviou cartas a diversos políticos, cujas reputações arruinara, pedindo desculpas.

Correção

Na coluna de ontem escrevi, a certa altura, "enfrentar de frente", um pleonasmo que corrigi no blog e pelo qual me desculpo com os leitores.

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