segunda-feira, agosto 11, 2014

Vinculações e eficiência - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO 11/08


Por ingenuidade, desconhecimento das incongruências da administração pública, autoengano ou, como parece ser a maioria dos casos, oportunismo, de tempos em tempos políticos propõem a destinação obrigatória de fatias da arrecadação tributária para áreas específicas de atuação do poder público, sob a alegação de que, assim, estariam assegurados os recursos necessários para dinamizar ou melhorar os serviços nessas áreas.

Além do recente aumento de 5,1% para 10% do PIB dos gastos obrigatórios com educação, aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, há pelo menos cinco projetos que obrigam o poder público a aplicar uma porcentagem mínima de sua receita em determinados setores. Períodos eleitorais tendem a tornar os parlamentares mais suscetíveis a propostas desse tipo. Mas, ao contrário do que dizem seus defensores, elas não resultarão, necessariamente, em melhorias nessas áreas. São, ao contrário, uma ameaça à boa gestão, pois podem gerar desperdícios e outras distorções.

Os recursos que têm destinação obrigatória, e por isso conhecidos como "dinheiro carimbado", compõem a "receita vinculada". As vinculações, como mostrou o Estado (7/8), já cobrem 87% do Orçamento da União. Isso quer dizer que, das receitas tributárias de que teoricamente poderia dispor para executar seu programa - sobretudo para elevar os investimentos na ampliação e melhoria de serviços públicos -, o governo federal só pode destinar livremente a modesta fatia de 13%.

As vinculações, desse modo, tolhem a capacidade do governo de utilizar o dinheiro público nos programas com os quais se comprometeu perante o eleitorado ou são prioritários para a população. Falhas administrativas, incompetência gerencial na execução dos projetos, desperdícios ou corrupção reduzem ainda mais a eficiência no uso do dinheiro do contribuinte, pois retardam ou impedem a geração dos benefícios de que a sociedade tem o direito de dispor como retribuição pelo pagamento dos impostos.

Para tentar dar um pouco mais de racionalidade à administração pública, instrumentos que reduzem as vinculações têm sido criados nos últimos anos. O atual, a Desvinculação dos Recursos da União (DRU) - criada em 2000 e cuja vigência tem sido prorrogada com frequência (pela legislação atual ela expirará em 31 de dezembro de 2015) -, desvincula 20% do dinheiro "carimbado".

Os projetos que criam vinculações caminham no sentido contrário. Entre os que a reportagem do Estado localizou no Congresso há um, do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que vincula 2% das receitas da União e 1% das dos Estados e municípios para programas de habitação. Só na esfera federal, essa medida aumentaria em R$ 34 bilhões os gastos, neste ano, com programas habitacionais, o que dobraria o orçamento do Programa Minha Casa, Minha Vida, um dos mais custosos do governo Dilma Rousseff, que o transformou em sua vitrine política. Outro projeto, do ex-deputado paulista William Woo (então filiado ao PSDB), propõe a destinação de 8% do Orçamento federal, 2% dos estaduais e 1% dos municipais para ações e serviços de desporto. No total, os cinco projetos vinculariam mais R$ 176 bilhões do Orçamento da União, quase o dobro da dotação atual do Ministério da Educação.

Não se discute a necessidade de aplicação de recursos públicos em áreas essenciais cujos serviços são insuficientes ou insatisfatórios (além da educação, já há vinculação para a saúde). Há carências na área habitacional e o desempenho das equipes brasileiras em competições esportivas internacionais tem sido, em muitos casos, decepcionante - quanto mais próximos estivermos dos Jogos Olímpicos, mais frequentemente esse fato será invocado por quem defende a vinculação de receitas para aplicação em esportes.

O País necessita de programas públicos eficientes nessas áreas. Isso exige identificação correta dos problemas, avaliação das necessidades, concepção adequada de projetos, execução eficiente e, também, recursos. Mas, sem boa administração, a garantia de recursos mínimos estimulará o desperdício e não assegurará resultados.


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