segunda-feira, julho 14, 2014

Licitações e corrupção - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 14/07

A possibilidade da contratação integrada em licitações, prevista no Projeto de Lei 559 que tramita no Senado, está gerando polêmica. Considerada por alguns como mais uma porta que se abre para a corrupção, ela pode trazer maior dinamismo ao setor público brasileiro. E não necessariamente pior uso do dinheiro público.

Na contratação integrada, é o vencedor da licitação quem deve elaborar e desenvolver os projetos completo e executivo, ficando responsável "pela execução de obras e serviço de engenharia, montagem e realização de testes, pré-operação e por todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, com remuneração por preço global". A empresa privada assume os riscos associados à execução da obra ou do serviço, não podendo alegar qualquer problema nos projetos ou na execução, na tentativa de modificar o contrato. Fica vedado assim, na contratação integrada, qualquer aditivo ao contrato, com exceção daqueles que sejam oriundos de caso fortuito, força maior ou de determinação do próprio poder público.

Não prevista na atual Lei de Licitações (Lei 8.666/93), a contratação integrada foi sendo autorizada em determinados casos. Integra, por exemplo, o chamado Regime Diferenciado de Contratação (RDC), aprovado para as obras de infraestrutura da Copa e dos Jogos Olímpicos, bem como para licitações relacionadas ao PAC, SUS, educação pública, dragagem portuária, etc.

Os opositores da contratação integrada alegam que o tema já foi rejeitado quando o Congresso analisou a Medida Provisória (MP) 630, convertida posteriormente na Lei 12.980/14. A MP ampliava o Regime Diferenciado de Contratação para "obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo". À época, a senadora Gleisi Hoffmann apresentou emenda que pretendia estender o RDC - e por ele, a contratação integrada - a todas as licitações. O Congresso rejeitou a emenda, permitindo apenas para o caso previsto originalmente na MP.

Por si só, a contratação integrada não tem em seu bojo nada de imoral. Exige, como ocorre em qualquer outro tipo de licitação, a fiscalização do poder público. A grande porta para a corrupção nas licitações são os sucessivos aditivos - acréscimos de valores solicitados depois de a empresa ganhar a concorrência -, responsáveis em boa medida pelo aumento dos custos das obras públicas.

É de esperar - e exigir - que a contratação integrada seja bem acompanhada, no sentido de que o proponente faça um projeto consistente, e se respeite a lógica implícita nessa modalidade: os riscos são do particular, não da administração pública.

Engessar o Estado brasileiro não é solução para o combate à corrupção, desvio possível em qualquer contrato. Legislar travando ainda mais o Estado pode, portanto, ser uma inútil e contraproducente tentativa de blindá-lo contra a corrupção.

Isso não significa fechar os olhos à realidade. O exame da realidade leva ao reconhecimento da existência de ampla corrupção mesmo sem a existência da contratação integrada. O combate à corrupção, que é grave e exige atuação severa, deve estar ancorado numa atitude inteligente. Não há sistema perfeito, que permita o poder público descuidar do seu dever em qualquer tipo de licitação: um estrito, próximo e constante acompanhamento.

A proposta que está agora no Senado traz modificações pontuais ao atual regime de licitações. Por exemplo, possibilita maior controle e institui novas sanções administrativas, além da contratação integrada. O seu maior efeito positivo pode ser, no entanto, conferir uniformidade à legislação. A atual lei de licitações, de 1993, já estava amplamente modificada pelas legislações posteriores. Tendo em vista que a complexidade do nosso Direito é um dos grandes entraves para a realização de negócios, simplificar o ordenamento jurídico é sempre um passo para a frente.

Os erros do passado - e a conivência com a corrupção certamente é um deles - não podem levar a um temor legislativo. É preciso acertar o local exato do combate à corrupção, sem criar fantasmas imaginários.

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