quarta-feira, abril 02, 2014

A última chance - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 02/04

Lula protela o desfecho e desafia o imponderável



O governo mal avaliado na totalidade dos seus programas, sem capacidade para administrar relações com o Congresso, vivendo uma sucessão de atitudes reativas desastradas, frustrado na sua comunicação com a sociedade a quem pensa estar agradando e perplexo quando vê que não está, começou, ontem, a rodar a roleta de sua última chance. Ela está nas mãos da dupla de ministros Aloizio Mercadante, da Casa Civil, e Ricardo Berzoini, das Relações Institucionais. Mercadante, hoje o principal político na coordenação administrativa do governo e na ponte com o comitê da reeleição da presidente Dilma Rousseff; Berzoini, o ontem empossado ministro da Secretaria de Relações Institucionais, com a missão de estabelecer alguma relação entre Dilma e a base aliada de 18 partidos políticos que sustentam o governo. Têm o desafio de começar tudo do zero - governo e campanha - e fazer tudo dar certo.

A última vez em que estiveram próximos, Mercadante como candidato ao governo de São Paulo, Berzoini como presidente do PT e coordenador das ações eleitorais do partido, foi para viver as consequências de uma trapalhada, da qual Mercadante seria o beneficiário, provocadas pela montagem de falso dossiê para atingir seu adversário naquele pleito. Uma atuação em campanha estadual liderada por grupo muito próximo do ex-presidente Lula e de sua mulher, fechou o círculo dessa ciranda que, faltando-lhe palavras para dar o nome certo aos bois, o ex-presidente denominou-os carinhosamente de "aloprados".

Agora, com a nova parceria de poder no Planalto, inicia-se uma etapa a que o PT atribui ser a última com esta configuração. Seria a oportunidade derradeira para que a presidente retome política e administrativamente seu governo, criando substância a apresentar ao eleitorado a quem pede votos para sua reeleição. E se nada acontecer? Bem, acreditam políticos do partido, que embora já seja tarde, Lula será impelido a assumir a liderança dos destinos do PT.

O novo desenho é uma intervenção de Lula e do PT no governo para tentar mudar as coisas antes do desenlace. O ex-presidente não se furta a ouvir o conselho de fazer logo o que tem que fazer, recebe com paciência os alertas de que pode perder o momento certo, até porque sabe que é grande o risco de não mais conseguir tomar pé da situação. Mas já não resiste à pressão, critica o governo embora acredite que, com o adiamento da decisão, está fazendo um gesto em deferência e na esperança de que branca nuvem faça um raio. Seja no plano do governo, seja no plano da política.

Ou funciona a política, ou funciona o governo. E o governo e a política conduzidos por Dilma estão três linhas abaixo da crítica, até mesmo para o PT.

Os desastres envolvem não só o desmoronamento dos pilares presidenciais, da faxineira ética e da competente gestora, como, sobretudo, as reações sempre equivocadas às dificuldades que se apresentam no seu caminho. Por exemplo, diz-se que pior do que o rebaixamento do grau de investimento do Brasil, foram as explicações do governo e as críticas à competência da agência de rating, a mesma que havia elevado o nível no governo Lula. Depois, jactou-se o governo de ter o Brasil recebido investimento recorde apesar do rebaixamento, numa ignorância técnica que só piorou a má avaliação da equipe.

A crise da Petrobras foi criada pela presidente, que reagiu mal à descoberta de que aprovara o mau negócio da compra da refinaria de Pasadena levando a controvérsia e as denúncias para dentro do Palácio do Planalto. A reação à CPI da Petrobras também foi outro tumulto, com a distribuição de missões atabalhoadas, confusas e conflitantes aos líderes. Não se está considerando nem a explosão de temperamento da presidente, segundo relato feito ao seu partido, mas as ordens dali emanadas, tais como, para envolver o adversário Eduardo Campos, não se importar de levantar a lebre das negociações do próprio Lula com governos estrangeiros, entre eles o da Venezuela.

O governo tumultuou o ambiente e perdeu tempo para convencer aliados a retirar assinatura do requerimento de CPI, o que, afinal, era seu objetivo. O preço do controle da situação só aumenta, e a margem para evitar pedido de providências ao judiciário fica a cada dia mais estreita.

Com Mercadante e Berzoini será diferente? Há quem diga que Berzoini chegou atrasado. Há um ano o partido tentava emplacá-lo, mas não conseguiu, exatamente por causa dos problemas pregressos. Agora, os parlamentares já estão cuidando de sua própria campanha da reeleição, precisam das verbas de emendas, ajudas e parcerias, têm a investigação da Petrobras no seu cacife e vários projetos de interesse do governo a manipular. Berzoini ainda tem o que fazer.

O governo não tinha problema no Senado, agora tem; não tinha uma crise na economia, agora tem; e o PT teve sua candidata à reeleição atingida no que seria a sua vantagem construída com esmero, a mais completa funcionária na área de energia e petróleo, a eficiente gestora.

Não se pode dizer, neste momento, que a presidente caminha para sair da crise, mas pelo menos aceitou armar-se para viver sua última chance. Dilma tem 43% de intenção de voto (nas pesquisas da semana passada), quando precisaria ter muito mais para ir queimando ao longo da campanha. A oposição tem, nas análises prospectivas, 35% do eleitorado, sempre. Há outros candidatos, alguns até com chances de ter 5%, como o do evangélico PSC.

O sonho de vitória no primeiro turno já se esfumou. O que algumas avaliações feitas para o governo indicam é que, hoje, Dilma tem 40% de chance de reeleger, contra 60% de perder a eleição.

O nervosismo e a aflição é para que haja tempo de, seduzindo o partido e os mais próximos, a presidente tenha condições de seduzir as ruas. Com muita simpatia.

O que teme o PT? É simples: a perda do poder.

Para acalmar aliados, Lula já aventou a possibilidade real da perda da disputa e o que faria nesse caso. Diz que partiria para quatro anos de campanha permanente e voltaria na eleição de 2018. O PT já lhe mostrou que precisa agir agora, pois quatro anos são muito tempo para o imponderável.

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