domingo, fevereiro 16, 2014

No Brasil a conversa é outra - SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 16/02

O intervencionismo do Estado foi necessário e bem-vindo em determinados momentos da História. Nos EUA pós-crise de 1929, o democrata Franklin D. Roosevelt enfrentou o desemprego, a pobreza e a destruição da economia com seu New Deal - um conjunto de leis e regras inspiradas nas ideias do economista inglês John M. Keynes, que ampliou a participação do Estado na economia, criando demanda e tirando da paralisia setores econômicos destruídos pela crise. Eleito em 1932, Roosevelt reorganizou a economia, aliviou o desemprego, usou o Estado para dar musculatura ao capitalismo e recuperou a esperança das famílias americanas, que o reelegeram para mais três mandatos.

No Brasil, Getúlio Vargas foi um ditador populista que, no plano político, prendeu opositores e censurou a imprensa. Mas na economia foi um estadista de olho no futuro. Sua marca foram o intervencionismo estatal e a obsessão por dar a partida para industrializar o Brasil, até então um país agrário que produzia café, leite e açúcar. Na ditadura do Estado Novo, criou a Vale do Rio Doce, a Cia. Siderúrgica Nacional e a Fábrica Nacional de Motores, as três com financiamento dos EUA. Ao retornar ao poder, em 1951, acrescentou a Petrobrás e o BNDES. Todas estatais, essas empresas constituíram o alicerce que permitiu dinamizar a industrialização no período Juscelino Kubitschek. Alguns de seus biógrafos apostam que, se vivo fosse neste século 21, Getúlio Vargas seria favorável às privatizações e à revisão das leis trabalhistas, por ele criadas em 1937.

Ao assumir a Presidência em 1995, Fernando Henrique Cardoso reconheceu o papel do Estado como impulsionador da industrialização e do progresso nos anos 40/60. Mas, 40 anos depois, mudanças ocorridas no mundo obrigavam a avançar, tornando inescapável decretar "o fim da Era Vargas". E deu seguimento a um programa liberal, com privatização de estatais, reformas estruturais, inclusive a do Estado, e aprovação de um conjunto de leis que, ao suprimir monopólios estatais e pôr o Brasil em consonância com países de economia avançada, passaram a atrair investidores estrangeiros para financiar o progresso econômico.

É claro que tais mudanças mexeram com estruturas políticas há muitas décadas enraizadas e tirando proveito da máquina estatal. Governadores rejeitavam abrir mão do poder de usar bancos, empresas elétricas e telefônicas estaduais e as siderúrgicas federais para financiar campanhas eleitorais; deputados, senadores e prefeitos viram diminuir o poder para dar emprego a apadrinhados e conseguir empréstimos com dinheiro público a empresas que financiavam suas campanhas. Enfim, toda sorte de favores e favorecimentos que o Estado proporcionava passou a ficar em risco para políticos e burocratas que usavam a máquina estatal em benefício pessoal e de amigos.

A capilaridade da classe política presente em todos os Estados fez espalhar e crescer pelo País a grita contra as privatizações. E, como sempre fizeram (e conseguem!), manipularam a população - sobretudo os mais pobres e desinformados - com o falso discurso nacionalista e do Estado provedor, em vigor no País desde Getúlio Vargas. Só não confessavam que o Estado era provedor para eles próprios. Para a população sobrava pagar a conta.

Pois bem, caro leitor. Hoje não há mais siderúrgicas, bancos e telefônicas estaduais. Com a privatização, desapareceram também os crônicos déficits com que essas empresas operavam, sempre cobertos com dinheiro de impostos pagos pela população. Restaram estatais Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco do Nordeste e parte considerável do setor elétrico - algumas distribuidoras estaduais e praticamente todas as geradoras federais. É justamente onde há gestões ineficientes, falta de planejamento, interferências danosas do governo, uso político das empresas e seu consequente corolário de apagões (quase uma centena só no governo Dilma).

Intervencionismo do Estado é bem-vindo, e mais ainda quando corrige extremismos liberais, como ocorreu na crise de 2008. O caso brasileiro é outra conversa.


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