sexta-feira, janeiro 17, 2014

Na Argentina, o governo não se move. O resto, sim - CARLOS PAGNI

O GLOBO - 17/01

Sindicalistas e empresários se mobilizam em diversos encontros para elaborar uma agenda para o país, com vistas às eleições presidenciais de 2015 e depois


O país surfa uma onda de infortúnios que começou a se formar nos motins policiais e nos saques, ganhou volume com o colapso energético e se mantém em alta com a inflação acelerada e a perda de reservas. As turbulências encontram no governo uma presidente quase ausente e um Gabinete invertebrado. O desassossego não corrói apenas o kirchnerismo. Também tira da letargia a oposição. E, num ano sem eleições, dinamiza as organizações sociais.

Hugo Moyano (CGT) e Luis Barrionuevo (CGT dissidente) iniciaram gestões para unificar o movimento. Na Sociedade Rural Argentina (SRA), as principais organizações do empresariado começaram a elaborar uma agenda para comprometer os principais candidatos presidenciais em 2015. A sociedade civil começa a interpelar a política.

Barrionuevo e Moyano fizeram uma exibição de força ao alinhar a totalidade do sindicalismo dos transportes: caminhoneiros, pessoal dos ônibus, ferroviários e aeronautas. Está implícita a capacidade de parar o país. Porém, como estão acostumados a que Cristina Kirchner os responsabilize por todas as pragas que a afetam, Moyano e Barrionuevo preferem dissimular esse poder. Por isto, ao terminar a entrevista, disseram que, ao buscar a unidade da CGT, pretendem garantir a paz social.

Os dois convocaram novo encontro para o dia 20. Antes, entrarão em contato com o secretário-geral da CGT-Balcarce, Antonio Caló, e José Luis Lingeri, do Sindicato de Obras Sanitárias, para que a esta segunda assembleia compareçam também os sindicatos ligados ao governo. O objetivo é avançar rumo à unidade sindical em março. A esta altura, estarão reunidas as paritárias, discutindo os reajustes salariais. Casualidade zero: a convergência sindical pretende fazer frente a uma política cuja sobrevivência depende da queda do salário real.

A inovação mais destacada é que, para a reunião do dia 20, também estarão convidados os candidatos presidenciais do peronismo hoje: o deputado Sergio Massa e os governadores Daniel Scioli e José Manuel de la Sota. Os organizadores querem que os três escutem suas propostas e exponham os programas que estão elaborando. O maior desafio é o de Scioli: anfíbio como sempre, negocia com “hereges”, como De la Sota e Moyano, mas não se separa de Cristina.

Os sindicalistas pretendem fazer contato com os empresários, que também começaram a se reunir. Mas, nas entidades agropecuárias, dos bancos e na União Industrial Argentina (UIA) existe alguma prevenção. Querem estar seguros de que não serão usados em manobras que afetem a estabilidade de Cristina em benefício de algum candidato a sucedê-la. Quem seria esse candidato? Massa, cujos reclamos ao governo são cada dia mais urgentes? Ou Scioli, que analisou com De la Sota a eventualidade de um final abrupto do kirchnerismo? Os empresários que se reuniram na SRA decidiram que seus encontros serão públicos. A intenção é reduzir a segmentação do campo empresarial para levar uma proposta ao governo e aos candidatos para 2015.

A reunião na Rural foi o resultado de conversações mais ou menos discretas, que começaram aos cuidados de Jaime Campos, na Associação Empresarial Argentina (AEA) e se deslocaram depois a outras entidades. O antecedente imediato foi um encontro no Hotel Intercontinental, convocado pela Mesa de Enlace da agropecuária e os grupos Crea (Consórcios Regionais de Experiências Agrícolas), a que compareceram dirigentes da área industrial.

A assembleia foi preparada por Luis Miguel Etchevehere, presidente da Rural (SRA), em consulta com o filósofo Santiago Kovadloff. A assistência foi heterogênea: estiveram as entidades do campo, a UIA, AEA, Adeba (bancos nacionais), ABA (bancos estrangeiros), Câmara Argentina de Comércio, as câmaras de Comércio da Espanha, dos EUA e do Brasil; ACDE (empresários cristãos), Idea (Instituto para o Desenvolvimento Empresarial da Argentina), Comissão de Justiça e Paz e o Colégio de Advogados, entre outras.

O grupo, que se apresenta como Fórum de Convergência Empresarial, voltará a se reunir no dia 28. Entre os participantes circula um texto de Kovadloff que resulta de intercâmbio com vários empresários. O documento sustenta que o país tem um problema de natureza política, pela dificuldade que enfrenta uma liderança desarticulada para promover uma mudança modernizadora; e defende a ativação de uma rede setorial com o objetivo de distender o clima público este ano e criar uma agenda para além de 2015.

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