quarta-feira, janeiro 22, 2014

Meu interesse nacional, seu interesse nacional - MARCELO DE PAIVA ABREU

O Estado de S.Paulo - 22/01

O senador Aécio Neves deu a partida na definição de seu futuro programa de governo com o documento Para mudar de verdade o Brasil. Confiança. Cidadania. Prosperidade. Suas ideias quanto à economia brasileira se limitam, a esta altura da partida, ao diagnóstico dos muitos equívocos do atual governo e de incitações à mudança, sem grandes propostas quanto a correções de rumos.

O documento concentra a atenção na falta de transparência de políticas públicas, na perda de competitividade da indústria e no isolamento do Brasil em relação ao resto do mundo, com nova política externa que preserve adequadamente o "interesse nacional, acima de todo e qualquer interesse partidário".

A perda de competitividade das exportações brasileiras merece ocupar posição central nas preocupações do candidato. As carteiras de empréstimos e transferências a fundo perdido dos órgãos públicos devem ser transparentes e refletir ênfase absoluta em inovação. A condução de políticas industriais, de inovação e correlatas deve ser centralizada e coordenada com a política de comércio exterior, abandonando-se o modelo atual de "colcha de retalhos".

Que o isolamento do Brasil em relação à economia mundial se deve à "partidarização" da política externa e suas implicações sobre a política econômica externa é sabido. Mas é preciso meditar sobre as razões que explicam a imposição de um claro viés ideológico à política externa brasileira desde 2003. O sucesso da triangulação Garcia-Amorim-Guimarães na imposição desse viés sugere grande fragilidade institucional do Itamaraty quanto a qualquer ambição de ter influência efetiva na formulação da política externa.

O PT, vitorioso nas eleições desde 2002, naturalmente pretendeu implementar suas ideias sobre política externa. O que talvez tenha surpreendido tenha sido a débâcle das correntes críticas do viés ideológico aplicado à política externa. É claro que a capacidade de resistência a pressões do Planalto sempre será modesta, mas a diplomacia brasileira terá dificuldades em manter a reputação de excelência se abdicar de sua influência na formulação da política externa. Que há algum espaço de manobra, mesmo em condições adversas, é sugerido pelo contraste entre as gestões Figueiredo e Patriota no passado recente.

É necessário que se pense um formato institucional alternativo capaz de atenuar a amplitude das flutuações da política externa de acordo com o governo do dia. Talvez um conselho efetivamente representativo das diferentes correntes de opinião, inclusive com representação da sociedade civil. Mas que se afaste do modelo petista de assegurar representação aos que pensam igual ou aos que dependem da cornucópia de benesses distribuídas pelo governo. Isso, é claro, repugnará o Itamaraty, cioso de suas atribuições nominais que se vão mostrando obsoletas, mas, pelo andar da carruagem, talvez seja melhor aceitar o formato e abandonar o papel de simples executor de instruções de assessores presidenciais.

A afirmação de que o Itamaraty deve defender o interesse nacional é trivial. Os responsáveis pela política externa petista dirão que defenderam o interesse nacional.

O problema é como definir interesse nacional. Fora os temas não controversos, em geral associados à defesa da soberania, interesse nacional resulta da interação de interesses setoriais. Cabe ao governo assegurar que a assimetria entre diferentes atores não resulte em definição deformada do que seja interesse nacional. O governo brasileiro tem sido tradicionalmente ineficaz na intermediação requerida por razoável definição do que seja interesse nacional. É uma distorção a corrigir.

O Brasil, hoje mergulhado na mediocridade e satisfeito, está precisando de uma sacudidela política. Alternância política é bom, mas um bom programa de governo seria muito melhor. Esperemos.

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