domingo, janeiro 05, 2014

Contágio sírio - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 05/01
Como pavio de pólvora, a violência do Oriente Médio chegou ao Líbano. Beirute sofreu sete violentos ataques no segundo semestre de 2013. Somados mortos e feridos, as vítimas ultrapassam duas centenas, entre as quais a brasileira Malak Zahwe. A situação da antiga Fenícia pode ser vista, ao mesmo tempo, como sintoma agudo e novo fator no quadro de instabilidade que desenha um crescente no mapa do Oriente Médio - do Mediterrâneo ao Golfo Pérsico.
A linha de fratura que se destaca - do Líbano ao Paquistão, passando por Síria, Iraque e Irã -, é a do confronto secular entre muçulmanos sunitas e xiitas. Os primeiros formam a corrente predominante no islã que prevaleceu historicamente. Os segundos construíram a identidade ao longo dos séculos em torno do martírio, da opressão, da crença na redenção futura.

Na guerra civil síria, o choque entre sunitas e xiitas, com figurino e cenário sujeitos a ligeiras variações locais, se traduz no enfrentamento de duas potências que rivalizam por influência regional: Arábia Saudita e Irã. Ambas, conscientes de que se movimentam no tabuleiro regional à sombra de um poder maior (Israel), se veem como rivais possíveis de serem efetivamente desafiados.

Chama a atenção que, no Líbano, um saudita seja o suspeito de coordenar o ataque terrorista contra a embaixada iraniana, em novembro, com saldo de 23 mortos. A representação fica no subúrbio sul de Beirute, onde se concentra a população xiita - que forma, isoladamente, a maior das comunidades religiosas do país. Nos últimos meses, atentados se sucederam nessa área, reduto do Hezbollah (pró-iraniano), o núcleo político do atual governo libanês.

Sunitas radicais (jihadistas), alguns próximos à Al-Qaeda, multiplicam a presença no Líbano, com apoio direto ou tácito da Arábia Saudita e dos políticos locais aliados ao reino. É o caso da família do ex-premiê Saad Hariri, cujo pai, o também ex-premiê Rafik Hariri, foi morto em 2005, em atentado atribuído à inteligência síria. Ministro de Saad Hariri morreu em atentado semelhante, agora em dezembro.

No plano imediato, os confrontos no Líbano foram desatados pelo envolvimento de sunitas e xiitas locais na guerra síria. Unidades do Hezbollah, treinadas e armadas pelo Irã, tiveram papel decisivo nas vitórias militares cruciais para a sobrevivência da ditadura Assad. Igualmente, os sunitas radicais libaneses tornaram-se "plataforma" de recrutamento e envio de jihadistas de diversas nacionalidades para as fileiras anti-Assad.

O Líbano, assim, se apresenta como o sintoma mais agudo do contágio que o conflito sírio pode provocar na vizinhança. O Iraque, outro vizinho marcado pela violência sectária entre sunitas e xiitas (mais uma vez, com a presença do Irã, da Al-Qaeda e dos aliados sauditas), assiste também à ressurgência do fenômeno. Em cada um desses países, o conflito sírio tem agido como gasolina atirada a uma fogueira. E, de maneira reversa, a radicalização sectária em cada um deles tem realimentado a guerra síria - na qual as partes em confronto se veem "representadas" e com a qual passam a identificar-se.

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