domingo, janeiro 26, 2014

Calor - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 26/01


Calor, hein?”

Ou, opcional:

“E esse calor?”

Respostas padrões:

“Nem me fale.”

“Putz!”

“O Senegal é aqui.”

“E a sensação térmica?”

“Você sabe o que é, não sabe? Aquecimento global. Só pode ser. E só vai piorar”.

“Tá brabo!”

“Estou tomando três banhos frios por dia e não adianta.”

“Olha como eu estou suando. Pega aqui a minha camisa. Não, só pega.”

“País tropical, meu filho. País tropical.”

“Dizem que tem um país europeu que quando sopra um determinado vento as pessoas ficam tão irritadas, tão irritadas que, se cometerem um crime, como matar alguém, ou sair pela rua chutando cachorros, crianças e velhinhos e quebrando tudo, são automaticamente perdoadas, porque a culpa é do vento. Um calor como este também deveria ser atenuante para qualquer crime. Mas com um calor como este quem tem energia para praticar crimes?”

“Haja chope.”

“Tá brincando? Meu ar condicionado fugiu pro Caribe.”

“Vamos todos derreter”. “Sabe o que eu sinto quando vejo fritarem um ovo no asfalto para mostrar como está quente? Inveja. Penso: pelo menos pro ovo foi rápido...”.

Agora, todos juntos (ou pelo menos os mais de 60):

“Alá-la-ô, ooô, ooô

Mas que calô, ooô, ooô.”

Sim, a sensação é a de atravessar o deserto de Saara, com o sol forte queimando a nossa cara, como na marchinha de Carnaval. Pouca água e nenhuma sombra à vista. A noite ainda custará a chegar com o seu frio envigorante. Talvez nunca chegue, talvez estejamos condenados a um dia de calor eterno.

E os camelos nos olham com seu ar superior e a empáfia de séculos. Viemos do Egito, onde ao menos havia primavera, e não foram poucas as vezes em que no caminho rogamos a Alá, nosso bom Alá: mande água pra iaiá. Sim, mande água pra ioiô,ooô. Mas antes de mais nada mande água, com ou sem gás, e se possível gelo, para nós, neste deserto. Um oásis, Alá. Pode ser de uma palmeira só. Serve até uma miragem, se houver sombra. Salve-nos da sensação térmica, Alá-la-ô.

Ooô, ooô!

Nenhum comentário: