sábado, dezembro 21, 2013

Quando amar é armar - FERNANDO REINACH

O Estado de S.Paulo - 21/12

Oophaga pumilio é um sapinho, vermelho como morango maduro, que habita as florestas da América Central. Ao contrário de seus colegas, camuflados entre as folhas, nosso amigo mostra o corpo e não teme predadores. Não é para menos, está armado até os dentes. Seu corpo contém mais de 50 tipos de alcaloides. O predador que abocanhar um desses simpáticos sapinhos não vai esquecer a experiência. Se não morrer, vai passar dias sob efeito das poderosas armas químicas carregadas pelo sapinho. A cor vermelha avisa os predadores: cuidado comigo, estou armado e sou perigoso. Agora os cientistas descobriram a origem desse poderoso arsenal. Ele é fornecido pela mãe sapo, e duvido que você adivinhe como. Vamos adiante.

Nosso sapinho tem dois centímetros de comprimento e é completamente inofensivo. Não morde nem utiliza seu arsenal de alcaloides para o ataque. É tão bonito, e suas cores tão chamativas, que é criado como animal de estimação em diversos países. O único cuidado é não cair na tentação de morder o animal, pois os alcaloides estão acumulados na pele.

Papai e mamãe Oophaga dividem o cuidado com a prole. Mamãe coloca os ovos e papai despeja espermatozoides sobre os ovos. A pilha de ovos fecundados é cuidada por papai, que coleta água com sua cloaca (o orifício por onde saem a urina, as fezes e os espermatozoides) e a despeja sobre os ovos, garantindo que eles permaneçam úmidos durante os 12 dias de incubação. Quando os girinos saem do ovo, mamãe Oophaga volta ao ninho e transporta os filhotes para os phitotelmata (aqueles laguinhos de água acumulada entre as folhas de bromélias). É nesse ambiente que os girinos crescem e se transformam em sapos.

Como não existe alimento suficiente nos phitotelmata, a amorosa mamãe Oophaga volta frequentemente e alimenta os filhotes durante dois meses com seus próprios ovos não fecundados. Devorando os ovos gerados pela mãe, os amados filhotes crescem felizes. Faz tempo que os cientistas descobriram que os sapos adultos não produzem os alcaloides que acumulam no seu corpo, mas obtêm essas moléculas de sua dieta. Como todo sapo, os adultos comem os mais diversos tipos de insetos. Após ingerirem a presa, os Oophaga não destroem os alcaloides presentes no alimento. Essas moléculas são transportadas para a pele e se acumulam em grande quantidade. Em outras palavras, o arsenal defensivo de nossos sapinhos é capturado dia a dia, um pouquinho de cada inseto ingerido. Aos poucos, os sapos vão armando seu arsenal químico.

Mas uma pergunta atormentava os cientistas. Será que os girinos acumulam as toxinas antes de se transformar em sapos ou somente depois de começar a se alimentar de insetos? Para resolver esse problema, os cientistas coletaram e analisaram girinos recém-nascidos. Descobriram que ao nascer os girinos não tinham suas armas químicas. Mas, quando os cientistas analisaram os girinos um pouco antes de se transformar em sapos, descobriram que eles já haviam acumulado um pequeno arsenal de alcaloides.

Analisando os ovos não fecundados que mamãe sapo usa para alimentar os girinos, os cientistas descobriram que eles tinham em seu interior pequenas quantidades de alcaloides. Essa observação favorecia a hipótese de que as mães estavam armando seus amados filhotes com alcaloides. Para comprovar essa hipótese, os cientistas alimentaram girinos com ovos de espécies de sapos que não acumulam alcaloides. Como esperado, esses girinos, ao se transformar em sapos, estavam totalmente desarmados, sem qualquer alcaloide em seu corpo.

Esses resultados demonstram que as mamães sapo não somente fornecem o alimento, mas também o arsenal químico que os sapinhos precisam para enfrentar os predadores. É o amor que arma.

Alimentamos e educamos nossos filhos para que eles sejam felizes. Mas, se você acredita que a educação é também uma arma a ser utilizada pelos filhos para enfrentar os perigos da vida adulta, você não está sozinho. Os amorosos Oophaga fazem a mesma coisa e não sentem culpa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Esse comentário final confundiu-me... Então se eu sair na boa está tudo bem???