quarta-feira, novembro 27, 2013

O que esperar da decisão do STF sobre planos - CAMILA VILLARD DURAN

VALOR ECONÔMICO - 27/11

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciará o julgamento sobre a constitucionalidade dos planos de estabilização monetária, formulados durante as décadas de 1980 e 1990. Mas o que esperar dessa decisão? O STF já julgou ações e delimitou parâmetros do que seria a moldura jurídica do poder monetário. A expectativa em relação ao tribunal é a de que ele dialogue com essas decisões e, principalmente, com a natureza dos normativos que criaram os planos. Trata-se de leis que disciplinavam funções da moeda nacional. Leis monetárias têm tratamento jurídico específico. A moeda não é mercadoria, não pertence a um indivíduo, não é passível de apropriação privada. A moeda é bem público gerido pelo poder político.

Em estudo empírico desenvolvido na Faculdade de Direito da USP, posteriormente publicado sob o título Direito e moeda: o controle dos planos de estabilização pelo Supremo Tribunal Federal (Saraiva/Direito GV, 2010), pude verificar que o STF desenvolveu durante sua história recente o seguinte entendimento quanto às leis monetárias criadas por planos econômicos: 1- À lei monetária não se aplica como limite a regra constitucional da intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada. A razão para sua incidência sobre as obrigações jurídicas, constituídas anteriormente ao seu advento, é devido à sua natureza especial que altera regime de instituto jurídico (a moeda).

Portanto, os planos econômicos podem disciplinar os efeitos jurídicos gerados por contratos privados, celebrados anteriormente ao seu advento. 2- A disciplina jurídica da ordem monetária compreende: a) a alteração da unidade monetária, b) a fixação de critérios para conversão de obrigações jurídicas da moeda antiga para a nova; c) a definição de novos índices de correção monetária para contratos, inclusive contratos de depósito bancário; e d) a definição de fator de deflação para contratos pré-fixados. A lei monetária compreende, portanto, a disciplina das funções da moeda enquanto meio de pagamento (itens a e b) e padrão de valor (itens c e d).

No entanto, o STF construiu entendimento específico em relação a uma modalidade de contrato de depósito bancário. Segundo o tribunal, lei monetária pode alterar índice de correção monetária para contas de poupança desde que observe o período aquisitivo da remuneração pactuada (trinta dias). O Plano Collor 1, no que se refere à correção monetária, já observava essa orientação jurisprudencial. O entendimento do STF deu origem, inclusive, à Súmula 725 de 2003. Entretanto, o STF não apresentou qualquer argumento jurídico para diferenciar esse contrato dos demais contratos privados, inclusive contratos de mesma natureza. Um caso a ser mencionado: o RE 217.561 - AgR AgR julgado em 2009, de relatoria do ministro Eros Grau, em que se decidiu incidir de imediato a alteração monetária para contrato de depósito a prazo (CDB). O que os diferenciaria?

Acredito que, da perspectiva estritamente jurídica, um ponto deve ser ressaltado: a proteção ao ato jurídico perfeito concerne os requisitos de validade do contrato no tempo de sua celebração - agente, objeto e forma. Aqui está a essência do princípio da segurança jurídica. Um exemplo relacionado a planos econômicos: o bloqueio dos ativos financeiros pelo Collor 1 parecia não respeitar esses limites, pois interferia no objeto específico do contrato - a disponibilidade do depósito. Ali, parecia haver violência jurídica. No entanto, os normativos relativos a planos que interferiram nos efeitos dos contratos não esbarraram nessa limitação jurídica.

Como exemplo, pode-se citar a alteração nos índices de correção monetária aplicáveis à época do pagamento da remuneração da poupança. Não há que se falar em interferência na proteção constitucional ao ato jurídico perfeito. Um exemplo não monetário que ainda pode esclarecer esse argumento jurídico: a partir do Código Civil de 2002, é possível requerer a alteração do regime matrimonial de bens. Essa possibilidade jurídica, que se refere aos efeitos do contrato de casamento, aplica-se inclusive àqueles celebrados antes de 2002. Ora, é preciso identificar o plano da validade e o plano dos efeitos dos contratos privados.

Ademais, a racionalidade das leis monetárias era a de interferir em contratos celebrados anteriormente à sua vigência, disciplinando seus efeitos futuros. O principal diagnóstico do processo inflacionário brasileiro era o da inflação inercial: a inflação passada tornava-se presente devido à indexação contratual. Assim, a interferência nesse mecanismo automático de reajuste era medida necessária de plano dessa natureza. Como regra, os custos de políticas públicas são desigualmente distribuídos em sociedade. Nos planos econômicos, aqueles que tinham acesso ao sistema bancário sofreram parte dos custos da reforma monetária. Essa camada da população não constituía, entretanto, a maioria da população brasileira adulta na época. A maioria sofria cotidianamente os efeitos da inflação sem o reajuste automático de saldos bancários, sofrendo a consequente perda do poder aquisitivo de seus salários.

Por fim, cabe ressaltar que o sistema jurídico não se volta somente ao passado para qualificar fatos e identificá-los como juridicamente relevantes - no caso concreto, as medidas de planos econômicos. O direito também constrói cenários. A interpretação finalista integra decisões jurídicas e o STF tem recorrido a esse modelo de raciocínio em suas decisões. A aplicação minimamente prudente de uma regra considera resultados futuros. Em muitos casos, será o efeito da decisão que garantirá a concretização de valores protegidos pelo direito. A responsabilidade pelos resultados integra a decisão jurídica. Claramente, o STF está diante de um grande desafio social ao decidir sobre a constitucionalidade desses planos.

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