terça-feira, novembro 12, 2013

O agronegócio sob ameaça - GIL CASTELLO BRANCO

O GLOBO - 12/11

O ex-presidente dos EUA Dwight Eisenhower dizia: A agricultura parece ser muito fácil quando o seu arado é um lápis e você está a quilômetros de distância de um milharal.

No Brasil, o agronegócio - apesar dos conflitos históricos com ambientalistas, sem terra e índios - tornou-se o principal motor do desenvolvimento econômico. Enquanto a indústria patina e o varejo desacelera, a agroindústria será responsável por quase um terço do crescimento do PIB estimado para este ano em 2,4%. A cadeia abrange não só os produtos primários da agricultura e pecuária, mas também toda a riqueza criada no processamento e na distribuição, além do desempenho da indústria de insumos.

Assim, é essencial assegurar a proteção da saúde dos animais, a sanidade dos vegetais, além da qualidade e segurança higiênico-sanitária dos alimentos e demais produtos agropecuários. Entre 2001 e 2012, porém, quase R$ 1 bilhão deixou de ser aplicado em defesa agropecuária comparando-se os valores autorizados no Congresso Nacional e os desembolsos reais.

Na proposta orçamentária para 2014, apresentada pelo Executivo ao Congresso Nacional, no Ministério da Agricultura o programa defesa agropecuária está com dotação de R$ 267 milhões, valor 30% inferior ao orçamento aprovado para este ano. Se a perspectiva é ruim, o presente é pior. Em 2013, até outubro, o valor aplicado no programa é o menor dos últimos cinco anos. Faltando dois meses para o término do exercício, dos R$ 419,3 milhões autorizados apenas R$ 110,7 milhões foram pagos (26%).

A execução pífia decorre, principalmente, do contingenciamento imposto pela área econômica do governo federal ao Ministério da Agricultura. Como o corte é elevado, a pasta foi obrigada a passar a tesoura em diversas ações, inclusive nas relacionadas à defesa agropecuária. Em outubro, R$ 239,8 milhões estavam contingenciados.

Não custa lembrar que penúria semelhante foi responsável pela volta da febre aftosa em 2005, com graves consequências para a credibilidade internacional da carne brasileira. Um mês antes do surto, ironicamente, dentre os parcos recursos liberados estavam R$ 42.350 para a produção de vídeo sobre a eficiência do Brasil no combate à moléstia, a ser exibido pelo ministro, em Paris. O marketing não deu frutos.

Apesar do bom desempenho do PIB agropecuário, existem pelo menos dez pragas que ameaçam as lavouras brasileiras. Somente a lagarta Helicoverpa armigera gerou prejuízos de US$ 4 bilhões na safra 2012/2013. Já a ferrugem asiática levou a perdas de US$ 25 bilhões nos últimos dez anos.

Para evitar a crise previamente anunciada, o Congresso precisa ampliar o orçamento da defesa agropecuária para o próximo ano, o que pode ser realizado por meio de emendas parlamentares. Ademais, deveria incluir dispositivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias que impeça o sistemático contingenciamento de recursos para a sanidade animal e vegetal. Se a presidente da República vetar, que assuma o risco.

Aliás, também é recomendável menos politicagem. Nos últimos 11 anos, o país teve seis ministros da Agricultura. O primeiro deles, Roberto Rodrigues, ficou no cargo aproximadamente quatro anos. Nos sete anos seguintes, assumiram outros cinco, média de um ministro a cada 18 meses, rodízio comparável ao dos técnicos de futebol dos clubes brasileiros.

Enfim, o descaso com a defesa agropecuária pode implicar em degeneração da balança comercial, menor crescimento da economia e aumento de preços dos alimentos. Em ano eleitoral, o prato vazio será um prato cheio para a oposição. A causa requer planejamento, políticas públicas adequadas, técnicos capacitados e ampliação do uso de tecnologias para antecipação dos riscos. As soluções são simples, mas dependem de vontade política.

No anedotário nacional, alguns ministros foram ironizados por desconhecerem as peculiaridades do setor agrícola. O ex-ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen foi motivo de piada quando tentou expurgar o chuchu do cálculo da inflação, alegando que poucos brasileiros incluíam alimento tão sem gosto em sua dieta. Já Delfim Netto tornou-se o Doutor Sardinha, personagem do humorista Jô Soares, sátira de um ministro da Agricultura que, a muito custo, aprendia os nomes das frutas e legumes.

Na realidade, ainda são muitos os Sardinhas na Esplanada dos Ministérios. Alguns dentro do próprio Ministério da Agricultura. Outros, na Fazenda e no Planejamento, arando terras com um lápis e imaginando que as pragas serão condescendentes com o superávit primário.

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