terça-feira, julho 16, 2013

Quem não se defende se trumbica - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 16/07

Todos podem se indignar com a espionagem dos EUA, menos governos, como o do Brasil, que não se defendem


Todo o mundo tem todo o direito de ferver de indignação com o megaesquema de espionagem dos Estados Unidos. Todo o mundo, menos o governo brasileiro.

Afinal, é sabido desde tempos imemoriais que quem pode espiona quem achar que deve, amigo ou inimigo. Cabe a quem pode ser espionado defender-se da melhor maneira possível. É o que o Brasil não faz.

Conforme mostrou o repórter Breno Costa, no domingo, o governo destinou apenas R$ 90 milhões para a defesa cibernética em 2013. Pior: usou apenas 9% desse total, ridículos R$ 8 milhões.

Ainda por cima, quase a metade desse total foi para jipes e cabines para a instalação de estações de comunicação. É difícil imaginar como jipes possam defender o país de um ataque cibernético, mas vai ver que, com a tecnologia moderna, sejam uma arma de tremenda eficácia.

Se você quiser uma comparação nessa mesma área, Rubens Valente mostrou ontem que os Estados Unidos destinaram 17,5 vezes mais recursos (ou R$ 140 milhões), entre 1999 e 2008, para ajudar o Brasil a monitorar criminosos e terroristas.

Alguma surpresa com o fato de que o Brasil não engrossou a lista dos países latino-americanos que ofereceram asilo a Edward Snowden, exatamente o personagem que desatou a indignação do governo brasileiro com a revelação de que o Brasil é uma das maiores vítimas da megaespionagem americana?

Diante das revelações dos bravos repórteres desta Folha, é correto usar a palavra "vítima" na frase anterior? Talvez beneficiário fosse mais adequado, não?

Como posso saber se a ajuda dos Estados Unidos não se deu utilizando precisamente dados que grampeiam, invadindo a minha, a sua, a nossa privacidade?

Seja como for, é evidente que a reação brasileira ao caso Snowden foi pelo menos dois decibéis abaixo da dos "bolivarianos" --Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua. O Brasil não ofereceu asilo a Snowden nem mesmo depois do incidente com o avião do presidente Evo Morales.

Dilma Rousseff também não se dignou a comparecer à reunião de emergência da Unasul, convocada para mostrar solidariedade a Evo.

Tudo bem que, no papel, o Brasil se solidarizou. Mas não é grande vantagem: não li ninguém, nem entre os mais duros críticos do "bolivarianismo", que tenha achado correta a ação dos países europeus que fecharam o espaço aéreo para o avião devido à suspeita de que Snowden pudesse estar a bordo.

É óbvio que o governo Dilma --assim como, antes dele, os de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva-- dá elevadíssimo valor ao nível de relações alcançado com Washington, o melhor em muitíssimos anos. Um status que certamente será devidamente comemorado em outubro, quando da visita de Dilma aos Estados Unidos.

Para que arrumar encrenca com um parceiro tão estimado (embora retoricamente chicoteado aqui e ali)?

Ainda mais que quem não se defende, como é o caso do Brasil em matéria cibernética, se trumbica, como diria Abelardo Barbosa se tivesse chegado à era do Facebook.

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