terça-feira, abril 09, 2013

O trilema de Münchhausen - ROBERTO LUIS TROSTER

Valor Econômico - 09/04

O trilema de Münchhausen é o termo usado em teoria do conhecimento para relatar a impossibilidade de provar verdades com certeza absoluta até no campo da lógica. É uma referência irônica ao ilustre Barão, conhecido pelos relatos fantasiosos de suas proezas, especificamente a de que conseguiu sair de um atoleiro puxando seu próprio cabelo montado num cavalo.

Um trilema é sempre uma escolha difícil entre três opções. Pode ser resolvido com a seleção de uma e o descarte das outras, ou deixar uma das três fora ou ainda, não ter solução. Alguns são famosos em economia, nas ciências sociais e jurídicas e existem alguns chistosos, como o do restaurante: bom, barato e vazio na hora de pico.

O mais famoso em economia foi elaborado pelo prêmio Nobel Robert Mundell em conjunto com Marcus Fleming; é conhecido como a "trindade impossível": câmbio fixo, mobilidade de capitais e política monetária independente. Mostraram que os condutores da política econômica só podem perseguir dois desses objetivos, devendo descartar o remanescente.

No Brasil, vive-se o trilema das três taxas: de juros, cambiais e fiscais, em que o governo não está encontrando uma solução. A cada dia que passa, o a situação se agrava e fica mais difícil a cura. Se subirem os juros para trazer a inflação à meta, a economia para; se desvalorizarem para dar competitividade, a inflação aumenta e os juros têm que subir; se desonerarem demais, a dinâmica fiscal piora ainda mais e os preços disparam; e se deixarem como está, a deterioração dos indicadores continua.

No biênio 2011-2012 foram dois Pibinhos, e, para este ano e os próximos, as projeções são de Pibecos. Para 2013, espera-se um crescimento de 3%, em parte, com o empurrão do setor agropecuário que vai crescer mais de 4%. No horizonte, as estimativas são de um padrão parecido, o que indica que os analistas não acreditam que o governo resolva o trilema.

O sonho de juros baixos, crescimento alto e câmbio competitivo está virando o pesadelo de atividade fraca e inflação forte. Há quem atribua as causas a um choque de oferta e à crise na Europa. É fato, mas esses dois fatores apenas aceleraram um processo que ocorreria de qualquer maneira e a solução exige mais do que calibrar os juros, câmbio e alíquotas. É necessário mudar o receituário reacionário que está emperrando a economia, é inflacionário e coloca o governo numa sinuca.

Uma imagem símbolo da política econômica é o congestionamento de caminhões no porto de Santos. Mostra que há setores empresariais dinâmicos, que se modernizaram, produzem e querem exportar. Mas a inadequação do lado de fora do portão da fábrica e da porteira da fazenda impede que esse potencial produtivo vire realidade. Além da infraestrutura falha, a burocracia, as restrições operacionais, as contingências legais e o manicômio tributário asfixiam o país.

Outro exemplo emblemático é o tratamento dado ao câmbio. O custo fiscal para manter reservas internacionais, em números redondos, equivale a 1% do Produto Interno Bruto (PIB) - mais do que o Brasil cresceu em 2012!. Mesmo assim, a taxa é volátil e não é competitiva. A indústria brasileira vem perdendo mercados por conta da valorização do Real. Agravando o quadro, a política cambial é apontada com ufanismo pelo governo.

O potencial do Brasil é grande, vizinhos com menos estão conseguindo mais, bem mais. Aqui estão se afogando num copo d"água. É gritante a necessidade de alterações, em vez de remendos, na política econômica. A prescrição é clara: adaptar a gestão do país à nova realidade. Duas mudanças são necessárias, a primeira e a mais fundamental é o governo ser convencido da necessidade de um novo paradigma, de abandonar a política reacionária. A segunda é mudar. Como? Adequando-se à realidade.

Um exemplo é a política monetária. É óbvio que a inflação não está convergindo e não vai convergir para a meta. Deixar como está, ou aplicar doses homeopáticas de juros, só aumenta a força da inércia inflacionária.

Só há duas soluções: um aumento descomunal da Selic, ou, o que é mais razoável, colocar uma meta de inflação crível para 2013 (6%?), e valores declinantes para os próximos anos e executar uma política de juros consistente com a meta, não com a banda. Isso dará credibilidade à condução da moeda e eliminará incertezas sobre a evolução do custo do dinheiro no futuro.

Na política cambial é fazer os ajustes consistentes com a nova realidade. Completar a abertura, acabando com as travas no mercado à vista, permitindo a livre conversibilidade, com contas em divisas e a descriminalização de posse de moeda estrangeira. Com isso seriam corrigidas distorções na formação da taxa de câmbio, que atualmente é dada pela dinâmica dos mercados futuros. Haveria uma redução de riscos e custos para exportadores, uma maior estabilidade de taxas e um ganho fiscal considerável.

O quadro tributário brasileiro é um manicômio, com milhares de alíquotas e de normas, que sustenta dezenas de milhares de famílias de contadores, despachantes, fiscais e advogados, mas custa centenas de milhares de empregos que são transferidos ao exterior por falta de competitividade local. Levantamentos internacionais apontam que é o sistema de arrecadação mais oneroso do mundo. Mas quase nada é feito para reduzir seu custo.

O debate central da política econômica brasileira é o dilema entre inflação baixa e crescimento alto. Está mal formulado, as estatísticas mostram que o Brasil está crescendo menos que o resto do mundo e que tem uma inflação maior que a média das outras economias; provando que é possível ter as duas alternativas fazendo ajustes adequados. O Barão de Münchhausen usou a imaginação para relatar como saiu do pântano. Aqui a questão é usá-la para não afogar-se num copo d"água.

Nenhum comentário: