quarta-feira, março 27, 2013

Estratégia amazônica - DÉLCIO RODRIGUES

O GLOBO - 27/03

A geração de eletricidade acontece no Brasil basicamente por meio de usinas hidrelétricas, que respondem por 70% da atual capacidade instalada, e por termelétricas a óleo, carvão e gás natural, que respondem por 27% desta capacidade. Em anos menos chuvosos, as represas das hidrelétricas baixam e as termelétricas são acionadas mais frequentemente e por mais tempo, aumentando as emissões de gases de efeito estufa do setor e sua consequente contribuição às mudanças climáticas globais. É o que aconteceu no ano 2008, quando o fator de emissão desses gases a partir do setor elétrico deu um salto de 65% em relação ao ano anterior. E é também o que deve ocorrer neste ano de 2013.

Além de aumentar os custos da energia e sobressaltar carreiras políticas no governo federal, as baixas hidrológicas costumam gerar um tiroteio aos órgãos ambientais e do patrimônio histórico e propostas casuísticas motivadas por todo tipo de interesse. Neste recente período de baixa hidrológica, tem sido replicado um questionamento à construção de hidrelétricas "fio d´água", isto é, de baixa capacidade de armazenamento e relativamente pequena área alagada por represamento dos rios.

Na Amazônia, o uso do fio d´água reduz o desmatamento e a área alagada de cada projeto e tem vantagens importantes na preservação de habitats e do estoque de carbono existente na floresta. Entretanto, é verdade que a tecnologia reduz a energia média gerada pela usina, já que com ela só é possível aproveitar toda a capacidade de geração do sistema na época das cheias, enquanto na estiagem a capacidade de produção cai em função do baixo acúmulo de água na represa.

Da maneira pela qual vem sendo feita, a discussão fio d´água versus aumento do armazenamento em novos projetos dilui um problema muito mais importante provocado pela ausência de uma avaliação ambiental estratégica da utilização do potencial hidrelétrico da Amazônia. A necessidade de sua execução é gerada pelos impactos da construção de barragens na Amazônia irem além da destruição e alagamento da área diretamente afetada por cada projeto, provocando "profundas alterações no ciclo hidrológico, na biodiversidade aquática, no ciclo hidrossocial e hidroeconômico da região", conforme concluiu o professor José Tundisi, presidente e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia de São Carlos.

A avaliação ambiental estratégica deveria analisar os serviços prestados pelas bacias e áreas afetadas e os impactos sobre estes serviços, os conflitos com áreas indígenas e de conservação, os impactos sociais e ambientais e, inclusive a questão do uso da tecnologia fio d´água. E ainda deveria gerar parâmetros para a criação de rios e bacias hidrográficas testemunho, escolhidos por razões estratégicas de natureza variada para nunca receberem investimentos modificadores de seus regimes de vazão, além de gerar, como reivindica o professor Tundisi, "uma visão de Estado de longo prazo na exploração hidroenergética na Amazônia".


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