quinta-feira, março 28, 2013

Demorô! - MARCELO MITERHOF

FOLHA DE SP - 28/03

É vergonhoso que uma categoria como a das domésticas não tenha os direitos de todas as outras


Merece aplausos o Congresso pela aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 66/2012, apresentada pelo deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), que alterou o parágrafo único do artigo 7º da Constituição e ampliou os direitos dos trabalhadores domésticos.

Alguns deles ainda dependerão de regulamentação, como o seguro-desemprego, o salário-família e o auxílio-creche para dependentes até cinco anos de idade.

A tendência é que os dois últimos itens, que têm potencial de se tornar altamente dispendiosos para a família empregadora, sejam assumidos pelo Estado.

De imediato, serão estendidos aos domésticos direitos como a jornada semanal de 44 horas e o adicional de 50% no pagamento de horas extras, além de tornar obrigatório o pagamento do FGTS (8% da remuneração contratual) e da multa de 40% sobre os valores depositados pelo empregador em caso de demissão.

O impacto dessas medidas para o empregador será em torno de 10% do montante atualmente gasto para contar com um doméstico.

Boa parte da imprensa -com exceções como a da Folha, que se posicionou francamente a favor da PEC 66- tem se mostrado contra a mudança, destacando problemas que a medida, mesmo bem-intencionada, pode trazer.

Ao exigir de pessoas físicas o atendimento de direitos trabalhistas que existem para empresas, haveria o risco de aumento da informalização do trabalho doméstico e de redução do emprego no setor. Essa foi a conclusão de um editorial do jornal "O Globo" na segunda-feira.

Tais objeções são por demais alarmistas. A economia brasileira tem estado próxima do pleno emprego, a formalização do trabalho é crescente e o número de domésticas tem caído em razão do crescimento dos últimos anos, que criou novas oportunidades de trabalho, e da melhora na educação do trabalhador.

Isso tudo eleva o poder de barganha dessas profissionais. O Congresso tomou a iniciativa num momento oportuno para mitigar os seus possíveis efeitos colaterais.

É eloquente que a reação não destaque o mais importante: é vergonhoso que até hoje no Brasil uma categoria profissional não tenha direitos concedidos a todas as outras, não contando nem com a regulamentação da jornada de trabalho e, por consequência, não tendo a garantia de receber por horas extras.

Um exemplo de como o tema ainda é tratado no Brasil foi a coluna de Danuza Leão na Folha de domingo passado. De forma elegante, expôs as dúvidas já mencionadas sobre a conveniência das mudanças.

Mas Danuza vai além, mostrando que em países desenvolvidos a classe média não consegue pagar pelo serviço de um trabalhador doméstico em tempo integral. Quem é rico paga caro. A jornada é estritamente respeitada, mesmo para os empregados que residem no emprego, o que costuma ocorrer em cômodos apartados, mantendo a intimidade de empregadores e empregados.

Mas no Brasil os apartamentos têm as dependências de empregada: "Fica difícil estipular o que é hora extra, fora o "Maria, me traz um copo de água?'".

A profissão de doméstica da forma como a conhecemos no Brasil vai acabar, o que é ótimo. Se as marcas de uma época podem ser duradouras na arquitetura nacional, certos hábitos precisam mudar logo.

Danuza lembra ainda que, na França, as famílias podem deixar seus filhos em creches públicas, dispensando a necessidade de babá. No Brasil, a mãe teria que largar o emprego para cuidar dos filhos ou ter um salário alto para conseguir pagar uma creche particular ou uma babá em tempo integral: "Olha a complicação".

Tomara que o país continue se desenvolvendo e que todas as famílias venham a ter a possibilidade de usar creches públicas. Mas a prioridade não pode ser a conveniência da velha classe média em detrimento de direitos trabalhistas básicos.

A rotina do trabalho doméstico implica uma relação de afeto singular entre empregadores e empregados. Por isso, dedico esta coluna a Sandra e Luciana, que atualmente ajudam a cuidar de minha casa e de minha filha, bem como a Isabel, que ajudou a cuidar de mim quando criança. O afeto não pode, porém, servir para descaracterizar o profissionalismo que um vínculo empregatício exige.

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