segunda-feira, janeiro 21, 2013

2010: o ano que ainda não terminou - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS


Valor Econômico - 21/01



Como o chamado ano civil é apenas uma referência temporal criada artificialmente pelo homem, muitas vezes passamos de um ano ao outro sem que haja uma descontinuidade real em acontecimentos importantes que dominam a vida de todos nós. O jornalista Zuenir Ventura escreveu um livro, no já longínquo ano de 1968, - que marcou muito a minha geração - no qual explora essa ideia de não descontinuidade. Para mim, é o que acontece agora na economia mundial. A mera passagem de 2012 para 2013 não mudou em nada o processo de normalização que vem ocorrendo já há algum tempo.

Radicalizando o conceito usado por Zuenir Ventura em seu livro, cheguei ao título desta coluna de hoje. Tomando a dinâmica das principais economias do mundo como referência temporal, esta imagem é totalmente válida. Foi em 2010 que os governos das economias mais importantes saíram de um estado catatônico e passaram a agir para evitar o pior. Um pouco mais tarde, foram os bancos centrais que deixaram de lado verdadeiros tabus ideológicos e começaram a modificar sua ação com o objetivo de aumentar o poder de fogo das políticas fiscais - heterodoxas e expansionistas - que estavam sendo executadas pelos governos. A partir de 2011 essa conjugação de ações acabou por criar um processo de normalização em várias economias importantes do mundo.

A liderança clara desse processo veio do Federal Reserve (Fed, banco central americano) e de seu corajoso presidente. Posteriormente, ao longo dos anos seguintes, vários outros bancos centrais foram deixando de lado conceitos ortodoxos sobre sua função e se juntaram ao Fed. O último deles foi o Banco Central Europeu (BCE), já na parte final de 2012, com seu agressivo programa de compra de bônus soberanos dos países mais frágeis da zona do euro. Foi essa verdadeira bazooka - para usar uma expressão a gosto do mercado financeiro - que reverteu de forma muito forte os riscos de ruptura na Europa e devolveu ao euro seu status anterior de moeda forte e confiável.

Uma coisa é certa: um novo modelo de ação na política monetária deve surgir nos próximos anos

Embora a crise deva terminar mais adiante, a importância destes anos para o estudo e entendimento das coisas da economia vai continuar por muitas décadas. Ainda que hoje os debates sobre essas lições estejam restritos a espaços menores na mídia mundial, não tenho dúvida que ao longo dos próximos anos eles ocuparão o centro das reflexões na academia e na imprensa. Um dos itens mais importantes desta agenda será a forma como os bancos centrais deverão conduzir a política monetária em seus espaços nacionais. Trago hoje ao leitor uma primeira reflexão interessante nesse sentido. Em uma das últimas edições do "Financial Times", a colunista Gillian Tett publica uma coluna - que ela denominou independência do Banco Central do governo pode não ser sempre uma boa coisa - com algumas ideias desenvolvidas por um ex-funcionário qualificado do Banco da Reserva Federal de Nova York em parceria com um ex alto executivo da maior administradora de investimentos (Pimco).

A ideia central dessas reflexões é a de que, da mesma forma que a crise financeira está obrigando a uma revisão profunda sobre as regras que governam os mercados financeiros, com a crise da economia teremos que repensar a forma de agir dos Bancos Centrais, principalmente em relação à sua independência operacional. Não se trata de questionar os objetivos de controle da inflação, mas sim de modular suas ações tendo em vista a política fiscal dos governos e, principalmente, ao ciclo de crédito que prevalece na economia a cada momento. Para tanto criam um gráfico, dividido em quatro quadrantes, fazendo variar a política fiscal e a forma como o setor privado se coloca em relação à expansão de seu endividamento. Em cada um deles a ação do Banco Central deve seguir objetivos diferentes.

Por exemplo, quando a política fiscal é expansionista e o setor privado está em fase de aumento de seu endividamento, os BCs tem que seguir obrigatoriamente uma política de contração de crédito. Aqui a independência em relação aos governos centrais deve ser exercida na sua plenitude. No caso oposto, quando a política fiscal é contracionista e o setor privado está reduzindo sua alavancagem financeira - como foi o caso entre 2011 e 2012 nos Estados Unidos - a autoridade monetária precisa agir no sentido de expandir a liquidez e o crédito ao setor privado. Mais ainda, nas situações extremas, como viveu a Europa na primeira metade do ano passado, é obrigação dos BCs chegar a situações limite como as políticas de compra de ativos financeiros para evitar um colapso dos mercados de crédito e títulos. Nestes casos, a independência operacional dos Bancos Centrais deve ficar de lado, e as várias políticas devem ser sincronizadas com outras autoridades. Nas situações intermediárias, a política monetária a ser seguida pela autoridade monetária deve ser construída a partir de avaliações ad hoc de seus dirigentes e técnicos.

Mas, segundo o autor destas reflexões, uma coisa é certa: um novo modelo de ação na política monetária deve surgir nos próximos anos, e a independência sem qualificações não fará parte dele. Por mais que estas observações possam chocar os monetaristas mais radicais elas certamente vão se incorporar aos manuais de operação dos Bancos Centrais pelo mundo a fora.


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