segunda-feira, dezembro 24, 2012

Audácia e imprudência - MARCELO DE PAIVA ABREU

O ESTADÃO - 24/12


A recente viagem da presi­dente Dilma Rousseff à França e à Rússia expli­citou algumas das difi­culdades que o governo hoje en­frenta. Tanto no terreno da diplo­macia econômica quanto no da condução da política econômica.

Em seus discursos em Paris e Moscou, a presidente repetiu a atual posição brasileira nos foros internacionais. Em ritmo de "a Europa, mais uma vez, se curva diante do Brasil", criticou o "cor­te radical de gastos" e a opção por políticas econômicas ortodoxas, em sintonia com as reticências francesas de "meu querido" François Hollande quanto às políticas da senhora Merkel (não mencio­nada explicitamente).

Receitou, ainda, a "união ban­cária" na Europa e a ampliação das formas de atuação do Banco Central Europeu. O "grave ajuste que sofremos", nas décadas de 1980 e 1990, foi mais uma vez cita­do como exemplo das conseqüên­cias funestas de políticas econô­micas austeras. Já outros diriam que, ao contrário do que foi suge­rido, a inflação de três dígitos combinada à estagnação iniciada em 1980 resultou de políticas eco­nômicas imprudentes e bem lon­ge de austeras.

O discurso-padrão presiden­cial parece resultar da confluên­cia de visões de estatistas empe­dernidos, fantasiados de keynesianos, com a de grandes eminên­cias pardas em busca de reabilita­ção curricular. A visita a Paris su­gere que as relações franco-brasi­leiras são afetadas pelas mesmas limitações que comprometem a diplomacia do Brasil em relação a países latino-americanos com os quais o Palácio do Planalto consi­dera haver convergência ideológi­ca. Tal como na América Latina, salta aos olhos que o Brasil, tam­bém na Europa, está escolhendo os parceiros errados.

Já a visita à Rússia ilustra ou­tras limitações da estratégia brasi­leira. Os magros resultados da vi­sita mais uma vez frustraram ex­pectativas despropositadas quan­to à possível sintonia entre países que compõem o bloco dos Brics.

A convergência de interesses po­de até ocorrer, e é importante que seja explorada, especialmente no campo político. Mas daí a esperar que a Rússia, com tradição prote­cionista tão arraigada quanto no Brasil, seja especialmente flexível na admissão de exportações brasi­leiras há distância apreciável. A re­sistência chinesa às propostas brasileiras de misturar tarifa com câmbio na Organização Mundial do Comércio (OMC) é outra evi­dência de tais dificuldades.

O que preocupa é a dificuldade que o governo tem de admitir as graves limitações de sua política econômica. Há claro risco cumu­lativo de deterioração de desem­penho em relação a amplo leque de temas: manutenção da infla­ção em níveis apresentáveis; con­ciliação da redução de tarifas elé­tricas com a ameaça de racionamento; persistência do colapso gerenciai associado a investimen­tos na infraestrutura; para citar os mais notórios. Enquanto isso, o ministro Guido Mantega cele­bra pretenso sucesso na formula­ção de “bases para que o Brasil ob­tenha taxas elevadas de cresci­mento por muitos anos”.

Não se trata, aqui, de seguir a manada e dedicar-se à eleição meio pueril de “país da moda” que caracteriza muitos analistas de mercado, como se houvesse uma permanente corrida de ratos - rat race - entre as economias emergentes. Páginas e páginas têm sido dedicadas ao suposto colapso do Brasil e à pretensa ressur­reição do México como a mais promissora grande economia lati­no-americana, com argumentos de curto prazo sendo extrapola­dos, sem nenhum pudor, para o longo prazo. Quem depositou in­fundadas esperanças no lança­mento do Cristo Redentor ao es­paço, como a revista The Economist, estava fadado a mudar de opinião algo abruptamente, pois o diagnóstico original já era falho. Os problemas potenciais das polí­ticas econômicas adotadas a par­tir de meados do governo Lula, e agravados desde a posse de Dil­ma Rousseff, eram bem visíveis. Muitos analistas internacionais insistiram por muito tempo na te­se de que, apesar da aproximação política do lulismo com o chavismo e o neoperonismo, Lula, na prática, estava mais para social- democrata do que para populista de esquerda. A sugestão, agora, de que os problemas enfrentados pelo Brasil poderiam ser resolvi­dos com a mera substituição de Guido Mantega é ridícula. Nem o ministro imaginaria forma mais eficaz de garantir a sua sobrevida, pois não é necessária muita pers­picácia para antecipar resposta in­dignada da presidente, deixando claro que só é influenciada por re­vistas nacionais...

A despeito de todas essas difi­culdades, a popularidade da presi­dente se mantém em níveis extre­mamente altos. Isso deve ser obje­to de preocupações quanto ao fu­turo, em vez de ser simploriamente comemorado. Não há garantia de manutenção de tal popularida­de, se os resultados da política econômica não forem sustentá­veis. E seria lamentável que fosse necessária significativa queda da popularidade presidencial para que houvesse reorientação da po­lítica econômica.

Há substanciais problemas eco­nômicos à frente em 2013. E a ca­da dia mais improvável que uma conjunção favorável de eventos estenda a vida útil da atual colcha de retalhos que compõe a política econômica. As implicações políti­cas de um 2013 acidentado do ponto de vista econômico podem ser decisivas em 2014.

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