quinta-feira, novembro 22, 2012

O mau-caráter - PAULO SANT’ANA

ZERO HORA - 22/11


O indivíduo de má índole é inofensivo enquanto não puser em ação a sua má índole.

Quando o indivíduo de má índole passa a agir, esse é o mau-caráter.

O mau-caráter passa o dia matutando e arquitetando maldades. O mais impressionante é que ele não sabe o que são maldades.

Se a gente acusa o mau-caráter de ser mau-caráter, ele entende que isso é uma injustiça. Ele não tem noção diferencial sobre mal e bem.

O mau-caráter é como a serpente venenosa. Ele injeta simplesmente o veneno porque é da sua natureza injetar o veneno, seja lá qual for a extensão de seu ato agressivo.

O mau-caráter age pelo que entende ser sua legítima defesa. Ele sempre se sente inseguro, imagina que sendo mau-caráter poderá vir a sentir-se menos inseguro.

Vez por outra, o mau-caráter camufla seu mau caráter com uma ação benemérita, é a dissimulação que lhe permite não ser considerado mau-caráter pelos ingênuos.

O mau-caráter se regozija de suas más-caratices. De novo, igual às serpentes venenosas, o mau-caráter pica seus alvos por instinto, ele não tem exatamente consciência do dano que vai causar a inoculação de seu veneno. A picada que ele desfere é intrínseca à sua natureza, se ela produz danos, ele se sente gratificado, imagina que definitivamente ou talvez por algum tempo a vítima sofra os efeitos do seu ataque.

O mau-caráter se irrita com um período da vida: é o fim de semana, quando ele perde de vista o seu campo de ação.

Em compensação, no fim de semana ele fica elucubrando as más-caratices que vai produzir a partir de segunda-feira.

A origem fulcral do mau-caratismo é a inveja, a consciência que o mau-caráter tem de que é superado por alguém.

Então, o mau-caráter pensa assim: “Ele é superior a mim, mas vai sentir que sou capaz de perturbar e inquietar a sua superioridade. Se o golpe que eu desferir nele for suficientemente danoso, isso poderá até fazer com que tenha dúvidas sobre sua inegável superioridade”.

Uma característica da má-caratice é que os alvos do mau-caráter são coletivos, ele espalha durante a semana várias setas da sua maldade sobre a comunidade que o cerca.

Não existe ninguém mais solitário que o mau-caráter, embora ele finja ser gregário para manter agredidas as pessoas de quem se acerca.

O mau-caráter só emerge da escura solidão a que está condenado para poder produzir más ações, quase sempre traduzidas em golpes verbais ou gestos que ele desfere com abastança nociva.

O pior mau-caráter é o que age por prevenção, agride porque acredita que se não o fizer será agredido antes.

O mau-caráter é fruto ambiental das relações humanas. Se por acaso o mau-caráter fosse encarcerado solitariamente numa masmorra durante 30 anos, ele não teria como agredir os outros, seu péssimo caráter se constituiria num glorioso desperdício.

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