sexta-feira, agosto 03, 2012

O fim do poder - MOISÉS NAÍM


FOLHA DE SP - 03/08

Poder está mais restrito hoje, mas exercê-lo ficou mais difícil, assim como se tornou mais fácil perdê-lo

O que têm em comum o aquecimento global, a crise na zona do euro e os massacres na Síria? O fato de ninguém ter o poder de detê-los. Cada uma dessas situações vem se deteriorando em plena vista do mundo. As três implicam graves perigos e o sofrimento de milhões de pessoas. Há ideias do que fazer em relação às três. Mas não acontece nada.

Há reuniões de ministros, cúpulas de chefes de Estado, exortações de líderes sociais, religiosos e acadêmicos. Nada. Diariamente, somos informados de que cada uma dessas crises segue adiante na corrida desembestada rumo ao despenhadeiro. E...? Nada. Não ocorre nada.

É como assistir a um filme em câmera lenta em que um ônibus cheio de passageiros ruma ao precipício, enquanto o motorista não pisa no freio nem muda de direção. O problema é que todos estamos nesse ônibus. No mundo atual, o que acontece em outro lugar, por distante que pareça ser, acaba nos afetando.

Mas minha metáfora é imperfeita. Supõe que o freio e o volante funcionem e que exista um motorista com o poder de frear ou mudar de rumo. Porém não é o que ocorre.

No caso dessas três crises -e de muitas outras-, não há um motorista único, e sim vários. E cada vez há mais motoristas, ou candidatos a motoristas, que, embora não tenham o poder de decidir a direção e a velocidade do ônibus, têm, sim, o poder de impedir que sejam tomadas decisões das quais discordam.

Rússia e China não podem solucionar a crise na Síria. Mas podem vetar as tentativas de outros países de deter as matanças. Os líderes de Itália, Espanha ou Grécia precisam da ajuda de outros países e de entidades como o Banco Central Europeu ou o FMI para enfrentar sua crise. Contudo, embora nem Angela Merkel nem os órgãos internacionais tenham o poder de solucionar a crise, eles podem bloquear o jogo.

Com o aquecimento global é a mesma coisa. As evidências científicas avassaladoras confirmam que a atividade humana está aquecendo o planeta, o que gera variações climáticas traumáticas. Se as emissões de certos gases não diminuírem, as consequências para a humanidade serão desastrosas.

E, se para alguns é fácil ignorar a tragédia síria, por estar muito distante, ou a europeia, por lhes ser alheia, é impossível ignorar os efeitos do clima sobre todos nós e sobre as gerações que vão nos seguir.

Essas três crises são uma manifestação de uma tendência que as ultrapassa e que molda muitas outras esferas: o fim do poder. Isso não significa que o poder vá desaparecer ou que já não haja atores com imensa capacidade de impor sua vontade a outros. Significa que o poder vem ficando cada vez mais difícil de exercer e mais fácil de perder. E que quem tem poder hoje está mais limitado em sua aplicação do que eram seus predecessores.

O presidente dos EUA (ou da China), o papa, o chefe do Pentágono ou os responsáveis por Banco Mundial, Goldman Sachs, "The New York Times" ou qualquer partido político hoje têm menos poder do que aqueles que os precederam.

O fim do poder é uma das principais tendências que vão definir o nosso tempo.

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