quarta-feira, agosto 01, 2012

Falsa dicotomia - DORA KRAMER

 O Estado de S.Paulo - 01/08


Demandas em favor de um julgamento no qual o Supremo Tribunal Federal leve em conta a opinião do público sobre o caso do mensalão têm tanta validade factual quanto cobranças por um exame exclusivamente "técnico" do processo.

As duas alegações se igualam em impropriedade e implicam juízo prévio de valor: os advogados da oitiva social querem a condenação dos réus e os defensores da tecnicalidade reivindicam a absolvição.

Nada contra juízos e valores, mas no que tange ao julgamento com início marcado para amanhã ambas as posições são inócuas. Expressam correntes de pensamento, mas disso não passam porque na ação penal não estão em jogo costumes, vontades, avanços ou retrocessos sociais, mas a realidade tal como a veem o Código Penal e a Constituição.

Em falta de substância podem ser comparadas às recentes petições de advogados ao Tribunal Superior Eleitoral para tentar adiar o julgamento para data distante de período eleitoral ou para instar o TSE a examinar "com atenção" o uso do assunto nas propagandas obrigatórias no rádio e na televisão.

Por essa ótica a Justiça teria obrigação de olhar o quadro da perspectiva dos eventuais prejudicados ou beneficiados e tratar o mensalão como um tabu, pautando-se pelas conveniências e inconveniências eleitorais das forças políticas envolvidas em disputas de poder.

A se aceitar essa argumentação não se poderia deixar de aplicar a ela o princípio da isonomia que levaria a Justiça à absurda situação de estabelecer a seguinte regra: questões polêmicas relacionadas a partidos e a políticos não podem ser julgadas em anos eleitorais, só na entressafra.

Ano sim, ano não a agenda judicial estaria interditada a fim de que não houvesse "judicialização da política" nem "politização da Justiça". Ainda que o resultado impusesse retardamentos e tornasse o Judiciário mais lento do que já é.

Sem contar que afastar julgamentos das eleições implica a adoção de conceito semelhante a marcá-los propositadamente em épocas de campanha. Aí troca-se apenas o sinal, mas não se tem uma solução. Pelo simples fato de que não há nada a solucionar nem condicionantes a discutir.

Do mesmo modo não há dicotomia entre julgamento "técnico" e julgamento "político" a não ser na cabeça de uma animada arquibancada que, seja qual for o resultado, sairá decepcionada porque as coisas são como são e não como os torcedores gostariam que fosse.

A diferenciação correta a ser feita diz respeito à maneira como cada ministro verá os fatos: se a partir da ação isolada de cada réu ou se examinará o contexto de um esquema articulado de corrupção em que cada um deles cumpriu um papel na execução de um projeto comum, mediante práticas criminosas.

Meia volta. Réus distantes do palco, governo sob a imposição do toque de silêncio, ex-presidente Lula calado, sindicatos e movimentos sociais recolhidos, PT acuado.

Na véspera do julgamento do mensalão, o cenário em nada lembra as anunciadas batalhas em prol do "desmonte da farsa" e em tudo remete ao temor reverencial do exame público, diário e prolongado do conteúdo dos autos.

No caso dos réus, os advogados alegam que a presença não é praxe. Mas há uma justificativa mais objetiva para as ausências: nenhum deles, notadamente os políticos, quer aparecer na televisão durante as sessões em que será repetida uma narrativa de acusações que por si desmontam a versão de que há sete anos nada houve no Brasil além de uma ardilosa conspiração contra o governo baseada em invencionices da oposição.

Assim é. Por enquanto ninguém se habilitou, mas daqui a pouco aparece alguém para dizer que julgamentos, assim como CPIs, sabe-se como começam, mas nunca como terminam.

Como se não fosse tudo na vida assim. Ou o leitor e a leitora sabem como terminará hoje seu dia?

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