quarta-feira, maio 30, 2012

Um político em apuros - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 30/05


Suplente da CPI dos Bingos, da qual Cachoeira saiu com o pedido de indiciamento, Demóstenes não tinha como ficar alheio aos negócios do amigo. Se ficou, é sinal de que não fez o próprio serviço direito

Quem assistiu ao pronunciamento de mais de duas horas do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) e não ficou ligado nas perguntas dos colegas dele pode ter ficado com a sensação de que ele é realmente um inocente perante seus pares. Isso porque, em várias oportunidades, o senador goiano disse desconhecer que Carlos Cachoeira era um contraventor. Mas bastou o contraditório muito bem posto pelo relator, Humberto Costa (PT-PE), e por outros colegas para que até mesmo o telespectador recém-chegado voltasse a ter dúvidas sobre o comportamento de Demóstenes.

A versão de que Demóstenes não sabia dos negócios de Cachoeira pode servir na Justiça comum, mas não num plenário político. Até porque, como suplente da CPI dos Bingos, da qual Cachoeira saiu com o pedido de indiciamento aprovado pelo plenário, Demóstenes não tinha como ficar alheio aos negócios do amigo. Se o senador só soube agora, quando as operações Vegas e Monte Carlo vieram a público, é sinal de que não fez o próprio serviço direito. E saber do que seria votado era parte do seu trabalho naquele momento. Ainda mais em se tratando de alguém tão zeloso como Demóstenes. Por isso, a pergunta tão bem colocada pelo senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) causou um certo desconforto ao senador goiano.

Fora isso, nada justifica o fato de um senador da República precisar de um Nextel habilitado nos Estados Unidos para conversar com um amigo. O Senado supre não só os gastos dos senadores com aparelhos celulares, como também outras despesas. Ou seja, um senador não precisa e não deve ter aparelho cedido por terceiros, ainda mais de quem saiu indiciado de uma CPI da qual ele era suplente, ou seja, investigador, que deveria estar tão bem preparado quanto os demais.

Por falar em investigador…
Chama a atenção ainda o comportamento do senador Fernando Collor (PTB-AL), especialmente a forma como ele aproveitou a presença de Demóstenes no Conselho de Ética do Senado para tentar colocar na roda o Ministério Público. A dobradinha que os dois fizeram ali foi o ponto alto das mensagens subliminares do depoimento. Ambos têm raiva do Ministério Público. No caso de Collor, vai mais além. Indica que ele, até hoje, passados 20 anos do impeachment, não perdoa quem o fez viver aquele momento tão degradante na vida de um político. E não é de agora. No ano passado, Collor, numa determinada ocasião, olhava com ódio para o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que integrou a CPI que deflagrou o processo de impeachment.

Talvez apenas um psicólogo, acompanhando os pronunciamentos do ex-presidente na CPI e revendo o vídeo da sessão do Senado em que ele destratou Simon, possa decifrar por que Collor não se dedica a se lembrar das coisas boas que seu governo fez — como chamar a atenção para a necessidade de modernização do parque industrial brasileiro. Collor vive para uma vingança que só faz com que as pessoas relembrem das coisas ruins que ele mesmo não consegue deixar no passado.

Por falar em passado…
Os jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros lançam hoje à noite, em Brasília, na livraria Dom Quixote, no Centro Cultural Banco do Brasil, o livro Memórias de uma guerra suja. A publicação traz o relato do ex-agente secreto do Dops Cláudio Guerra sobre a morte de desaparecidos políticos e cemitérios clandestinos espalhados pelo país. No livro, Guerra conta inclusive que levou vários corpos para serem incinerados no forno de uma usina de açúcar no Rio de Janeiro. Ele lembra como assassinou, por exemplo, o ex-líder do PCB Nestor Veras.

O livro já causou polêmica, em meio a versões que tentam desqualificar o matador e outras que dão total crédito, uma vez que se trata de um senhor de 72 anos que virou pastor evangélico. Guerra certamente será um dos depoentes da Comissão da Verdade. Ontem, ele prestou depoimento a promotores. Mas, como bem lembrou um leitor dia desses, à Comissão da Verdade cabe investigar também o assassinato de militares em atos cometidos por guerrilheiros. Afinal, o país tem o direito à verdade, seja do passado, seja do presente, entre Demóstenes, Cachoeira e quem mais chegar.

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