quinta-feira, maio 03, 2012

Som de Guizos - CELSO MING


O ESTADO DE S. PAULO - 03/05/12


Em meio a uma economia global prostrada pela recessão e pelo desemprego, a retórica da ênfase ao crescimento econômico ganha corpo - e cada vez mais apelo político. Bem mais complicado é definir o que fazer para transformar palavras, apostas e voluntarismo em resultado.

Quem quer substituir as dolorosas políticas de saneamento e austeridade pelos programas de crescimento econômico, especialmente na Europa, vem apresentando algumas propostas nessa direção.

A primeira é trocar o corte das despesas públicas e dos salários por investimento. De onde tirar os recursos para isso é que são elas. Na Europa, há o sempre mencionado Banco Europeu de Investimento, que conta com 200 bilhões de euros em recursos, ninharia para o tamanho da empreitada. Apenas uma empresa brasileira, a Petrobrás, tem investimentos programados quase nas mesmas proporções (172 bilhões de euros) até 2015.

Outra fonte são os financiamentos bancários. Mas é cada vez menor o interesse das instituições financeiras em despejar dinheiro em economias superendividadas, mais e mais sujeitas a calotes soberanos. Afora isso, grande número de bancos na Europa sofre de grandes desarranjos financeiros. Precisam urgentemente de reforço de capital. Por isso, já não conseguem aumentar suas operações de crédito.

Há, também, a sugestão recorrente da elevação de impostos, sobretudo sobre os ricos e sobre os bancos. O candidato socialista à presidência da França, François Hollande, por exemplo, avisou que vai puxar para 75% a alíquota do Imposto de Renda a ser cobrada dos que ganham mais de 1 milhão de euros por ano. Mas reconhece que vai atingir apenas 3 mil pessoas, se antes disso esses não tiverem transferido seu patrimônio para o exterior. A criação do Imposto sobre Transações Financeiras, uma espécie de IOF que atingiria determinadas operações bancárias, parece impraticável. Seria necessário que toda a Europa adotasse a novidade. E os principais centros financeiros não querem perder mercado para Nova York, Hong Kong ou, até mesmo, para Londres. Ademais, aumento de impostos numa economia em recessão parece contrassenso.

Diante das dificuldades ou impossibilidades anteriores, aumenta o clamor de que o Banco Central Europeu (BCE) feche os olhos para meia dúzia de cláusulas contratuais e se ponha a emitir moeda que se destine à compra de títulos públicos e, nessas condições, financie o crescimento com mais inflação. Essa é uma possibilidade reiteradamente negada, mas não inteiramente descartada - principalmente se a iminência de uma catástrofe não deixar outra opção. Mas, como diz o Salmo 41/42, "todo abismo chama outro abismo". E o abismo das emissões de moeda é particularmente perigoso - e não apenas porque os alemães têm ojeriza de inflação. Se for para cobrir rombos fiscais, para quanto o BCE terá de expandir seu balanço para além dos 3 trilhões de euros que já estão lá nos seus ativos?

Mas não bastaria resolver a questão dos recursos que financiassem a retomada. Mesmo se os políticos conseguissem montar essa equação, seria preciso resolver dois outros problemas.

Um deles é o pânico, fator que acentuaria o tamanho da encrenca. E, outra vez, a ideia é arrancar do BCE o compromisso de despejar recursos ilimitados sempre que um Estado soberano da área do euro apresentasse sinais de suspensão iminente de pagamentos.

Outro ponto é o desequilíbrio. De um lado, estão um ou dois países superavitários (que faturam mais do que gastam com os demais) e, de outro, os deficitários. Na prática, seria preciso arrancar da Alemanha, de economia altamente superavitária, políticas que reduzissem suas exportações e elevassem suas importações. Em outras palavras, seria preciso que a Alemanha se conformasse em perder a competitividade obtida com grande sacrifício de sua gente.

Suponhamos que, afinal, a Alemanha aceitasse deixar de ser formiga, se transformasse em cigarra e passasse a importar compulsivamente. Nesse caso, seria preciso evitar outro risco: o de que essa política beneficiasse não seus parceiros de bloco, mas a China.

Enfim, crescer para sair da crise com base no aumento do consumo é um lindo som de guizos. Seria bom que fosse mais do que isso.

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