quinta-feira, maio 31, 2012

O "mix" da política econômica esgota-se - RIBAMAR OLIVEIRA


Valor Econômico - 31/05



A presidente Dilma Rousseff inovou quando, logo no início de seu governo, estabeleceu um novo "mix" da política macroeconômica, com um peso maior para a política fiscal. O objetivo declarado da presidente era controlar gastos para que o Banco Central não tivesse que elevar tanto os juros. O esforço fiscal passou a ser visto pelo governo como uma linha auxiliar da política monetária no controle da demanda e, por conseguinte, da inflação. Essa foi a razão do anúncio do contingenciamento de R$ 50 bilhões das dotações orçamentárias, em fevereiro de 2011. Naquele momento, a inflação ameaçava sair do controle do governo, alimentada pela subida dos preços internacionais das commodities. Junto com o esforço fiscal, o BC elevou os juros e adotou medidas macroprudenciais.

Essa estratégica foi reforçada em agosto do ano passado, quando, avaliando que a economia já estava em processo de desaquecimento e a inflação dava sinais de arrefecimento, o BC começou a reduzir a taxa de juro. Para que o BC pudesse fazer esse movimento, Dilma autorizou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a anunciar um aumento do esforço fiscal no montante de R$ 10 bilhões. A lógica era manter a solidez fiscal e a garantia de solvência do país como ingrediente indispensável para a queda dos juros. Com os R$ 10 bilhões, o superávit primário do setor público chegaria a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), usado pelo BC em seus cálculos para a trajetória da Selic pretendida.

O novo "mix" de política macroeconômica só foi possível porque o governo obteve, no ano passado, um aumento assombroso da arrecadação. Em parte por causa de questões atípicas, como o caso de antecipações de pagamentos feitos pelas empresas que aderiram ao chamado Refis da crise, e por causa do ganho de demandas judiciais pelo Fisco. A receita total da União no ano passado ficou R$ 19,7 bilhões acima do que o próprio Executivo estimou no decreto de contingenciamento.

A arrecadação excepcional permitiu que o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) elevasse o seu superávit primário de 1,23% do Produto Interno Bruto (PIB) registrado em 2010 (sem o truque da venda de petróleo à Petrobras) para 2,25% do PIB no ano passado - um aumento de mais de um ponto percentual do PIB.

Há várias análises sobre os resultados obtidos com essa política fiscal mais forte, que não cabe aqui discutir. Mas é importante registrar apenas que parte do superávit primário de 2011 foi realizado com redução dos investimentos. Qualquer gestor sabe que quando se desacelera o ritmo dos investimentos fica mais difícil e penoso promover a sua retomada, pois o cronograma das obras é retardado. Isso talvez explique, em parte, o fraco desempenho do investimento público federal neste ano, mesmo com o desejo sincero do governo de fazê-lo crescer.

O governo enfrenta neste ano um quadro inteiramente diverso. O relatório de avaliação de receitas e despesas do segundo bimestre confirmou a informação divulgada por esta coluna, de que a previsão da receita administrada pela Secretaria da Receita Federal (RFB) para este ano foi reduzida em R$ 10 bilhões em relação à estimativa que constava no decreto de contingenciamento.

A informação que se colhe junto a técnicos da área econômica é que o comportamento da receita administrada em maio continuou ruim, abaixo da previsão oficial. É óbvio que esse quadro reflete o frágil desempenho da economia nos primeiros cinco meses deste ano. O agravamento da crise econômica europeia poderá criar dificuldades adicionais para o Brasil e, dessa forma, afetar ainda mais a arrecadação.

Se essa perspectiva se confirmar, parece pouco provável que o governo mantenha inalterada a meta de superávit primário para o setor público deste ano, equivalente a 3,1% do PIB, pois isso poderá resultar em corte de despesas, o que prejudicará a retomada da economia. É bom lembrar que Dilma e Mantega têm feito críticas à proposta de ajuste fiscal da chanceler Angela Merkel, que não prevê o crescimento econômico dos países endividados da zona do euro.

Dilma e Mantega advogam a tese do ajuste fiscal anticíclico. Assim, se a economia brasileira for atingida de forma mais forte pelo agravamento da crise europeia, é muito provável que a política fiscal fique mais expansionista do que vinha sendo até agora.

A rigor, o governo começou a dar indicações de uma mudança de discurso no relatório do segundo bimestre. Mesmo com a queda de R$ 10 bilhões na previsão da receita administrada pela RFB, ele anunciou um aumento de R$ 4,9 bilhões nas despesas. Com isso, o esforço fiscal de R$ 55,1 bilhões, anunciado em fevereiro, foi reduzido para R$ 50,2 bilhões.

Para justificar o aumento dos gastos, o governo informou que refez sua previsão para as receitas não administradas pela RFB. Ele ampliou a estimativa com a arrecadação de dividendos das estatais (mais R$ 3,7 bilhões), com royalties do petróleo (mais R$ 2,4 bilhões) e com concessões e permissões (mais R$ 3,8 bilhões), entre outras. Não é possível assegurar que essas previsões irão se confirmar, pois o governo tem controle apenas da receita com dividendos.

A queda da receita deste ano leva o "mix" de política econômica inaugurado por Dilma ao esgotamento.

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