sexta-feira, abril 13, 2012

A CPI deve ir em frente - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 13/04/12


Um dos lugares-comuns mais duradouros, porque verdadeiro, do jargão político é o de que se sabe como uma CPI começa, mas não como termina. De fato, a menos quando submetidos a rigorosa rédea curta, de difícil manejo pelas lideranças das maiorias de turno, os inquéritos parlamentares podem ter desfechos desconfortáveis para quem os patrocinou na expectativa de lucrar politicamente com eles, às expensas dos antagonistas. Um depoente confiável pode deixar escapar, sob pressão dos inquisidores do outro lado, verdades desastrosas para a banda que se imaginava apta a conduzir o inquérito ao destino que lhe conviesse. Surpresas inconvenientes podem resultar também de uma quebra de sigilo bancário e telefônico - o rol de incertezas é infindável.

No caso da chamada CPI do Cachoeira, em vias de ser instalada para apurar as ligações entre o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e agentes públicos e privados, as dúvidas são ainda maiores. Além de não se ter a mais remota ideia de como poderá terminar, não se sabe nem como começará nem como se desenrolará; logo, de que estragos será capaz. A sua agenda é vaga e o seu trâmite dependerá de quem a controlar na liga majoritária encabeçada pelos aliados rivais PT e PMDB. Salvo nas raras ocasiões em que o seu objeto vai além das fronteiras partidárias, CPI são instrumentos da oposição. Esta tem a inédita peculiaridade de ter sido desencadeada pela liderança do partido do governo no Senado, com a aquiescência do governo e o incentivo do ex-presidente Lula.

A intenção do PT seria criar um espetáculo de longa duração para não deixar que o julgamento do mensalão, previsto para os próximos meses, monopolize as atenções da opinião pública neste ano eleitoral. E a intenção de Lula seria vingar-se do governador tucano de Goiás, Marconi Perillo, por ter revelado ao público que o alertara para o suborno sistemático de deputados antes que o escândalo rebentasse. O governador está sob os holofotes desde que se ouviu que a sua chefe de gabinete trocava informações com Cachoeira sobre operações policiais no Estado. Sem número nem poder de pressão para levar qualquer das Casas do Congresso, muito menos as duas como agora é o caso, a elucidar os malfeitos apontados no Ministério da presidente Dilma Rousseff, a oposição aderiu à iniciativa petista por duas razões.

Primeiro, pela impossibilidade da recusa. Afinal, o ponto de partida de tudo foi a revelação da parceria com o barão da batota do seu então baluarte e paladino da moralidade, senador Demóstenes Torres, à época do DEM. Depois, Perillo entrou na roda. Segundo, já que a investigação viria de qualquer maneira, a oposição parece ter concluído que nem tudo redundaria em catástrofe para a sua imagem. Há um cidadão que bate ponto no Planalto, o subchefe de Assuntos Federativos do Ministério de Relações Institucionais, Olavo Noleto, que teria tido - ou não - contatos com o "empresário de jogos ilícitos" fisgado na Operação Monte Carlo da Polícia Federal e preso há um mês e meio.

E há, principalmente, o governador petista do Distrito Federal (DF), Agnelo Queiroz. Ele é suspeito de permitir que o grupo de Cachoeira dirigisse uma licitação milionária na administração do DF e de ter pedido uma reunião com o poderoso chefão, no contexto de seus rolos com a empreiteira Delta, cujo dono, Fernando Cavendish, teria - ou não - laços com o contraventor. Numa gravação da Polícia Federal, um operador de Cachoeira, o araponga Idalberto Matias, o Dadá, diz a um auxiliar do governador, Marcelo Lopes, o Marcelão, demitido semana passada, que a empreiteira está furiosa por não ter recebido a contrapartida da sua contribuição à campanha de Agnelo. Estranhamente, as escutas envolvendo o titular do DF só vazaram depois da iniciativa de criação da CPI.

Para usar outra pérola do gosto dos políticos, o clima que cerca a investigação é "de vaca não reconhecer bezerro". Petistas estariam fazendo ato de contrição por tê-la proposto. O presidente do Senado, José Sarney, julga os seus promotores "irresponsáveis". Já a sociedade não tem por que temer o imponderável, mas receia que um arreglo faça da CPI uma pizza antes até de começar.

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