sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Desastre inevitável - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 17/02/12


O primaz da Igreja Ortodoxa da Grécia, monsenhor Hieronymos, é magnífico em suas vestes de cerimônia, apoiado a um báculo que termina numa cruz e dois dragões com as línguas de prata, a longa barba branca espalhada sobre a batina preta. Esse personagem saído de um romance de Tolstoi, acaba de entrar em outro, o da crise grega. Com um olhar furioso, Msr. Hieronymos provocou uma verdadeira tempestade ao desancar o primeiro-ministro Papademos, e denunciar "as receitas mortais impostas a Atenas pela UE e pelo FMI".

Msr. Hieronymos tem muita coragem. De fato, apoiar inesperadamente o povo grego asfixiado pela crise, considerando que a Igreja Ortodoxa não paga impostos, ou muito pouco - em reconhecimento pelo papel por ela desempenhado no passado quando, em 1830, há dois séculos, permitiu que a Grécia saísse do Império Otomano -, não é uma posição confortável.

Esse formidável favor fiscal é ainda mais estranho neste momento, em que o povo grego, estrangulado pela crise, morre de fome. A Igreja Grega é a segunda maior proprietária de terras, tem milhares de terrenos, imóveis, praias, estacionamentos, hotéis, mas, para Msr. Hieronymos, esse patrimônio precisa ser protegido e "a Igreja não deve arcar com o peso dos erros políticos". Além disso, ela distribui diariamente 30 mil refeições (25% a mais do que no ano passado).

A tragédia grega abala as consciências também no restante da Europa.

Ver agonizar um dos membros da UE e impor ao povo grego remédios que poderiam derrubar um boi, é uma situação que começa a comover alguns países do bloco. Não todos, é claro. A desgraça grega perturba muito os países do Sul, um pouco a França, mas absolutamente não abala a Alemanha, a Finlândia e a Holanda.

O ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schaueble, declarou quarta-feira que não quer mais "financiar um poço sem fundo". O presidente da República grega, em geral muito calado, reagiu furiosamente: "Quem é Schaueble para insultar a Grécia?". O ministro grego de Finanças, Evangelos Venizelos, então, virou a mesa: "É preciso dizer a verdade: há muitos países europeus que não querem mais saber do nosso".

A crise grega levanta finalmente a questão essencial: a sobrevida da zona do euro, com uma questão preliminar: se a Grécia der o calote, e tiver de recorrer à sua antiga dracma, sua doença poderá envenenar o restante da zona do euro? Há duas respostas: os países do Norte e a Alemanha garantem que a Grécia poderá desaparecer sem nenhum perigo. Ao contrário, a zona do euro, livre desse país devastado, reencontrará o seu caminho. A resposta dos países do Sul é exatamente o oposto: se a Grécia recorrer ao calote, haverá um caos sem fim. Portugal, Espanha, talvez a Itália e até mesmo a França serão engolidos pelo redemoinho.

É por isso que a Europa não opta por uma estratégia comum. Na quarta-feira, deveria dar o sinal verde ao desbloqueio dos 130 bilhões previstos no segundo plano de ajuda, mas os ministros de Finanças do euro, depois de uma teleconferência de três horas, adiaram a decisão para segunda-feira, o mais tardar.

E, enquanto isso, a Grécia se esvai em sangue.

Quem está com a razão? O Norte e sua intransigência ou o Sul e sua indulgência? Tentando responder a esta pergunta, os intransigentes, do Norte, têm razão, evidentemente. O problema é que os indulgentes do Sul, também têm razão. A verdade é definitivamente muito simples: seja qual for, indulgência ou intransigência, as duas soluções se parecem: ambas levarão ao desastre. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

Um comentário:

Padre Mateus disse...

Além de desinformado sobre a história do ressurgimento do Estado grego e a relevância da Igreja Ortodoxa neste fato, o Autor ignora profundamente a cultura religiosa grega e seus valores. Ou então maliciosamente ironiza e procura denegrir a imagem das hierarquias eclesiástica. Talvez para este senhor o mundo se limita a geografia do Ocidente, por isto ele pensa que culturas muito mais antigas e ricas em valores e símbolos para ele se apresente como uma peça de ficção. Bem dizia o célebre pensador: “A ignorança astravanca o progressio”.