segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Capitalismo coronário - KENNETH ROGOFF

O GLOBO - 06/02/12



A ampla e sistemática falha da regulamentação é o elefante na loja de louças quando se fala em reformar o capitalismo ocidental de hoje. Sim, muito foi dito sobre a insalubre dinâmica política- regulatória-financeira que levou a economia global ao ataque cardíaco de 2008 (iniciando o que Carmen Reinhart e eu chamamos de "A segunda grande contração"). Mas o problema é exclusivamente do setor financeiro ou ele exemplifica uma falha mais profunda do capitalismo ocidental? Considere a indústria alimentícia, particularmente sua às vezes maligna influência sobre a saúde e a nutrição.

As taxas de obesidade estão subindo em todo o mundo, embora, entre os grandes países, o problema seja talvez mais grave nos Estados Unidos.

Segundo o Centro para Prevenção e Controle de Doenças dos EUA, cerca de um terço dos adultos americanos são obesos (ou seja, têm índice de massa corporal acima de 30). Ainda mais chocante, mais de um sexto de crianças e adolescentes estão obesos, uma taxa que triplicou desde 1980. (Transparência: minha mulher produz programas na TV e na internet, cujo objetivo é combater a obesidade infantil.) Obviamente, os problemas da indústria alimentícia foram vigorosamente destacados por especialistas em nutrição e saúde, incluindo Michael Pollan e David Katz, e certamente por muitos economistas também.

E há numerosos outros exemplos, dentro de uma ampla variedade de bens e serviços, em que se podem achar questões similares. Aqui, contudo, quero focalizar na ligação entre a indústria alimentícia e problemas mais amplos do capitalismo contemporâneo (que certamente facilitaram a explosão de obesidade mundial), e em por que o sistema político americano devotou notavelmente pouca atenção a esse fato (embora a primeira- dama Michelle Obama tenha feito um esforço importante para aumentar a consciência sobre isso).

A obesidade afeta a expectativa de vida de numerosas formas, que vão de doença cardiovascular a alguns tipos de câncer. Além disso, a obesidade - certamente em manifestações mórbidas - pode afetar a qualidade de vida. Os custos não só sobre o indivíduo, mas também sobre a sociedade - diretamente, através do sistema de saúde, ou indiretamente, via perda de produtividade, por exemplo, e custos mais elevados de transporte (mais combustível para jatos, assentos maiores etc.).

Mas a obesidade epidêmica dificilmente se parece com um assassino de crescimento. Produtos alimentícios baseados no milho e com muitos aditivos químicos são reconhecidamente um dos maiores indutores do ganho de peso; mas, de uma perspectiva convencional de contabilidade de crescimento, são uma grande coisa.

O agronegócio é pago para cultivar o milho (frequentemente subsidiado pelo governo), e os processadores de alimentos são pagos para adicionar toneladas de químicos para criar um produto formador de hábito - desta forma, irresistível. Ao longo do caminho, cientistas são pagos para descobrir a melhor mistura de sal, açúcar e químicos para tornar o último alimento instantâneo viciante ao máximo; publicitários são pagos para criar interesse em torno dele; e a indústria farmacêutica faz uma fortuna tratando das doenças que dele inevitavelmente resultam.

O capitalismo coronário é fantástico para o mercado acionário, que inclui companhias de todas essas indústrias.

Alimentos altamente processados são bons também para criação de empregos, incluindo os de ponta em pesquisa, propaganda e saúde.

Então, quem pode se queixar? Certamente não os políticos, que se reelegem quando há emprego abundante e valorização das ações em bolsa - e recebem doações de todas as indústrias que participam da produção de alimentos processados. De fato, nos EUA, políticos que ousam falar sobre as implicações dos alimentos processados para saúde, ambiente e sustentabilidade em muitos casos descobrem que não receberam fundos para a campanha.

É verdade, as forças do mercado impulsionaram a inovação, que tem continuamente barateado o preço dos alimentos processados, embora o das velhas e simples frutas e verduras tenha subido. Este é um ponto justo, mas negligencia a enorme falha do mercado.

Os consumidores recebem muito pouca informação preciosa de escolas, bibliotecas ou campanhas de saúde; ao invés, são inundados de desinformação via propaganda. As ações são particularmente alarmantes para as crianças. Com pouca verba para TV pública de alta qualidade na maioria dos países, as crianças são cooptadas por canais sustentados pela publicidade, inclusive da indústria alimentícia.

Para além da desinformação, os produtores têm pouco incentivo para absorver os custos do dano ambiental que causam. Igualmente, os consumidores têm pouco incentivo para absorver os custos médicos de suas escolhas alimentares.

Se nossos problemas fossem apenas a indústria alimentícia causar ataques cardíacos e a indústria financeira causar seu equivalente econômico, já seria ruim o bastante. Mas a patológica dinâmica regulatória-política- econômica que caracteriza essas indústrias é muito mais ampla.

Precisamos desenvolver instituições novas e muito melhores para proteger os interesses a longo prazo da sociedade.

É claro que o equilíbrio entre a soberania do consumidor e o paternalismo é sempre delicado. Mas certamente poderíamos começar a obter um equilíbrio mais saudável que o que temos dando ao público mais e melhor informação através de diversas plataformas, de forma que ele pudesse fazer escolhas políticas e de consumo mais conscientes.

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