terça-feira, janeiro 31, 2012

99% inconsequentes - CRISTIANO COSTA

FOLHA DE SP - 31/01/12

Nos EUA, muitos dos 99% aproveitaram os anos bons para se endividar e agora não querem assumir a sua parcela de culpa pelo próprio fracasso

Ao longo da vida, tomamos decisões que têm efeitos imediatos, passageiros ou pouco importantes, mas também fazemos escolhas muito importantes. A decisão de abandonar o ensino médio, por exemplo, pode ter consequências dramáticas para a renda futura de alguém.

Muitas vezes, porém, as pessoas não têm muitas oportunidades. Filhos nascidos em famílias mais humildes, de renda modesta, muitas vezes dependem de auxílio do governo. Essa é a realidade de muitos americanos nos dias de hoje. A crise econômica fez florescer o debate sobre o recente aumento da desigualdade de renda nos EUA.

Um estudo do Congressional Budget Office mostra que a renda média americana cresceu cerca de 45%, em termos reais, entre 1979 e 2007. Nesse período, a renda dos que estão no topo da distribuição, os 1% de maior renda, cresceu 275%.

O contraste permitiu um debate mais enfático sobre distribuição de renda e a taxação nos Estados Unidos, que deve ser parte importante no processo eleitoral de 2012.

Muitos entendem que as condições dos 99% mais pobres são fruto primordialmente das políticas públicas, que impõem baixos impostos aos mais ricos e não oferecem aos mais pobres serviços considerados importantes, como saúde pública e universidade gratuita.

Esse grupo acredita que os fracassos de muitas pessoas entre os 99% são culpa do governo. Mas essa é uma maneira fácil de transferir o problema.

De acordo com dados do Tesouro americano, cerca de 58% das famílias no menor quintil de renda em 1996 estavam em um quintil mais alto em 2005. É o "sonho americano" em ação.

O movimento no sentido contrário também ocorre. Daquelas famílias que se encontravam entre as 1% de maior renda em 1996, mais de 57% desceram para um grupo de menor renda em 2005. É o chamado "pesadelo americano".

Nesse processo de alta mobilidade de renda em curto espaço de tempo, as escolhas individuais ocupam um papel muito mais importante do que mudanças no sistema de tributação ou nas políticas públicas.

A economia americana é altamente meritocrática. Ou seja, aqueles que trabalharem muito encontrarão oportunidades e terão o seu trabalho recompensado.

A situação atual de muitos americanos está diretamente ligada a escolhas que foram mal feitas.

Muitos jovens americanos acumularam dívidas elevadas para cursar uma faculdade privada e hoje se encontram desempregados.

Muitas famílias americanas compraram casas tomando empréstimos elevados. Hoje, elas não possuem renda para pagar as prestações e estão sendo despejadas.

Muitos idosos americanos não compraram planos de saúde quando jovens e não pouparam para o futuro. Hoje, dependem de programas sociais que não atendem todas as suas necessidades.

As consequências dessas escolhas, muitas feitas sob a crença de que "tudo daria certo" ou sob hipóteses equivocadas sobre o mercado de trabalho, vieram à tona durante a crise de 2008.

Na verdade, essas escolhas foram tanto causa como consequência da chamada Grande Recessão.

As crenças com relação ao futuro são parte fundamental das decisões econômicas das pessoas. Muitos norte-americanos compraram casas e apartamentos com a crença de que eles iriam se valorizar. Muitos fizeram cursos de graduação caríssimos, assumindo que o emprego estaria garantido após a faculdade. Essas hipóteses se provaram erradas, e a crise econômica atingiu em cheio o grupo mais vulnerável a choques econômicos.

A verdade é que, no país da livre escolha, na terra das oportunidades, muitas pessoas não querem admitir que parte da condição em que elas se encontram foi causada por elas mesmas. São consequências de suas escolhas pessoais.

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