'NÃO SOU BANDIDO'
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 23/07/11
O dono do Porsche acusado de dirigir a 150 km/h e provocar um acidente fatal diz que o choque foi uma fatalidade e que está sendo estigmatizado
Horas depois de depor na polícia, na quinta, o engenheiro Marcelo Malvio Alvez de Lima, 36, recebeu a coluna para uma entrevista exclusiva. No escritório de seu advogado, Celso Vilardi, com a mãe, Mavilia, e da irmã, Elizabeth, falou sobre o acidente que vitimou a advogada Carolina Cintra Santos, 28, no dia 9. Ele dirigia um Porsche na rua Tabapuã, no Itaim Bibi. E ela, um Tucson na rua Bandeira Paulista. Os carros se chocaram no cruzamento. Marcelo é acusado pela polícia de homicídio doloso, em que há intenção de matar.
A VIDA
Meu sentimento é em relação à vida, ao significado das coisas, enfim, de como elas podem se dar de uma hora para a outra. Eu tinha uma vida boa. Acordo todos os dias cedo, trabalho, vou atrás das minhas coisas. Eu sou engenheiro civil, tenho uma construtora. Comecei meu negócio única e exclusivamente com a minha força de vontade. O meu pai veio de Portugal, foi dono de padaria. Como todo português imigrante, sempre trabalhou para ter as coisas. Graças a Deus eu tive um bom exemplo.
Com a mesma determinação, eu vou continuar. Com a cabeça erguida. Eu não posso desistir. Eu não mereço, as pessoas que estão comigo não merecem. Vou fazer o que estava fazendo. Desenvolver a minha vida, uma possível união com uma pessoa e continuar como qualquer pessoa que pensa na sua vida, no seu bem-estar, enfim.
O meu sentimento... se eu tivesse tomado um gole de água a mais, se o meu celular tivesse tocado, se tivesse acontecido alguma coisa [antes do acidente], cinco segundos a mais se passariam e isso não iria acontecer. E da mesma forma na vida dela. Nós dois nos encontramos no mesmo segundo, no mesmo local. A gente avalia se é uma coincidência ou se as coisas realmente têm que acontecer, têm um porquê.
Eu hoje saí que nem um bandido da delegacia. Eu não sou bandido. Aconteceu um acidente, uma fatalidade.
Notícia vende revista. Mas ela pode ser justa, pode ser o fato. Tem gente que quer acusar por acusar.
O CARRO
A notícia é porque o carro é de uma determinada marca. Eu não sou herdeiro, eu não sou multimilionário. Se eu tivesse comprado um apartamento de R$ 500 mil, seria [considerado] normal. Só que eu continuei morando com os meus pais. E comprei o carro há quatro meses. Era um sonho meu. Acho lindo, acho bacana. Sempre gostei desse carro, desde criança. Eu trabalhei, eu ganhei dinheiro, eu compro o que eu quiser. Infelizmente aconteceu essa desgraça.
Meu nome virou "dono do Porsche". É um absurdo. Eu tenho nome, família, sentimento. Sou uma pessoa. Nunca me envolvi num acidente. É fácil puxar a minha CNH [Carteira Nacional de Habilitação]. A última multa que eu tive foi com esse carro, eu estava a 86 km/h numa via de 80 km/h, no Guarujá.
O ACIDENTE
Eu estava parado no farol anterior com um carro que chama a atenção. Duas pessoas que olhavam demais para o carro começaram a vir na minha direção. O farol abriu e eu saí um pouco mais rápido. Não sei precisar a velocidade. Eu estava sozinho, não estava apostando corrida com ninguém. Estava sem sono, indo comer um lanche.
Eu posso ter passado da velocidade da via, que é 60 km/h. Mas eu definitivamente não estava a 150 km/h [velocidade apontada pela polícia]. Em 200 metros da rua Tabapuã, é muita velocidade, é absurdo. E eu estava parado no farol anterior. Eu não vinha correndo. E, se o farol da frente [onde ocorreu a batida] estivesse fechado, eu teria parado. Porque eu não passo em farol vermelho. [Pausadamente] Eu não passo em farol vermelho. Isso é um fato.
O farol estava verde, eu passei. Ela surgiu na minha frente. Eu me recordo de um vulto. Ela não estava parada. Ela estava a uma certa velocidade. Se ela estivesse parada, eu poderia desviar o carro, por reflexo. Só que não foi isso. Ela simplesmente apareceu. E cruzou a minha frente. Eu tive o reflexo de brecar.
Eu não sei se desmaiei, se estava acordado. Eu só me lembro de estar sentado no carro, com o telefone na mão, falando com um amigo meu: "Daniel, eu bati o carro, vem me ajudar, vem pra cá". E mais nada. A próxima imagem de que me recordo é já no pronto-socorro, as pessoas me acalmando, cortando a minha roupa. Apaguei novamente e só fui me lembrar de alguma coisa na UTI.
Eu tive fratura no osso do peito, no tórax, tive uma mancha no pulmão. Fiquei cinco dias no hospital, três na UTI. Bati a cabeça, tive que costurar a orelha. O cinto de segurança cortou a minha pele. Meu peito está roxo por conta do impacto.
BEBIDA
Eu tinha bebido não mais do que duas taças de vinho, com água junto, pelo menos uma hora e meia antes do acidente. Uma médica no hospital me disse: "Marcelo, você não estava embriagado. Eu cheirei a sua boca, não tinha presença de álcool. Isso tá no laudo assinado por mim".
IMPORTÂNCIA PARA O CARRO E NÃO PARA A VÍTIMA
Na hora, nada é óbvio. Só é óbvio que eu bati em alguma coisa e que eu tô naquela situação. Não era óbvio para mim: "Ah, eu bati em alguém, a pessoa pode estar ferida". Me disseram que eu falei essa frase [a TV Globo mostrou imagens do acidente em que Marcelo diz: "Bateram no meu carro"]. Se eu tive essa reação... é uma coisa que você pode falar. Mas isso não faz parte da minha natureza.
RESPONSABILIDADE
Eu estou sendo acusado de provocar a morte de uma pessoa. Se ela estivesse viva e eu, morto, eu seria acusado de suicídio? Não. Então aí ela ia ser acusada de ter provocado a morte de uma pessoa.
Eu estava de fato acima da velocidade permitida. Só que, se o farol estivesse vermelho para mim, eu teria parado. Se uma pessoa [a advogada] não passasse no farol vermelho, eu teria continuado.
A Justiça está aí para ser justa. Eu digo a verdade e ela está do meu lado. Meu advogado poderia alegar um monte de coisas. Imaginação não falta, provas não faltam. Não quero nada disso. As coisas se deram da forma que se deram. As pessoas arcaram com as consequências que o fato ocasionou.
Eu poderia ter morrido. Se for provado que a moça passou no farol vermelho, se ela é culpada ou se eu sou o culpado, é a lei dos homens que vai decidir. Só que o peso [voz embargada]... o envolvimento em um acidente em que uma pessoa faleceu é uma coisa exclusivamente minha. Não é do delegado, não é de quem lê revista, não é de quem faz a revista.
Eu queria entrar em contato com a família da vítima. Eu queria escrever uma carta. Eu não sei o que eles acham de mim. Eu só quero que eles saibam que eu não estava interessado no meu carro. Podem ter certeza absoluta de que eu não cometi nenhum ato de irresponsabilidade. A mensagem que eu gostaria de passar é que tudo tem um porquê. A gente tem que aceitar. Aconteceu um acidente, ela faleceu, com certeza isso estava nos planos de Deus.
Dizem que Deus não dá mais do que você pode carregar. Ele quis me mostrar alguma coisa. Se aconteceu comigo, tem um propósito. Vou encontrar esse propósito.
MAVILIA, A MÃE DE MARCELO, PEDE A PALAVRA
A gente não acredita no que está passando. A gente lamenta mais pela família da menina. Eu mandei rezar uma missa de sétimo dia pela menina, na igreja Nossa Senhora de Fátima. E o padre perguntou quem era a mãe dela. E eu me senti no lugar da mãe [chora]. E a dor que eu senti foi tão grande. Eu entendo o que ela está passando. Eu espero que ela perdoe o meu filho. E que entenda o que a gente está sofrendo.
"Meu nome virou 'dono do Porsche'. É um absurdo. Eu tenho nome, família, sentimento. Sou uma pessoa"
"[O carro] era um sonho. Acho lindo, bacana. Sempre gostei, desde criança"
"O farol estava verde, eu passei. Ela surgiu na minha frente. Eu me recordo de um vulto. Ela não estava parada"
"A gente tem que aceitar. Aconteceu um acidente, ela faleceu, com certeza isso estava nos planos de Deus"
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