quinta-feira, julho 14, 2011

CELSO MING - Outra vez, o helicóptero?


Outra vez, o helicóptero?
CELSO MING 
O Estado de S. Paulo - 14/07/2011

É notável a perplexidade com que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) avalia os problemas econômicos dos Estados Unidos. Vai ver, está só despistando e, assim, prepara os espíritos para nova injeção de dinheiro - de helicóptero, como dizia o pai dos monetaristas, Milton Friedman.

Na ata da última reunião destinada a rever a política monetária, divulgada na terça-feira, os governadores do Fed dedicaram boa parte do seu tempo para definir, passo a passo, como se desenvolveria a chamada estratégia de saída. Ou seja, trataram de planejar o enxugamento da enorme liquidez atual da economia quando as condições se normalizassem. Por aí, sugeriam que é preciso preparar esses movimentos. Porém, a mesma ata registra que alguns membros do comitê recomendaram nova expansão de moeda destinada a estimular o crédito e o emprego, caso fique confirmada a piora das condições da economia.

Ontem, em depoimento oficial na Câmara dos Representantes, o presidente do Fed, Ben Bernanke, admitiu que pode vir a ser necessária nova rodada de afrouxamento quantitativo, que consiste na emissão de moeda para recompra de títulos do Tesouro americano. Um jeito de entornar dinheiro no mercado, de modo a reativar o crédito, o consumo, a atividade econômica e o emprego. Enfim, o Fed passa a impressão de que não está sendo capaz de projetar a tendência. Não sabe se a crise reflui ou se aumenta.

Há meses, tanto os documentos oficiais como os depoimentos de Bernanke deixam transparecer o desapontamento com a falta de reação do setor produtivo e do emprego aos fartos empuxos monetários (expansão de moeda) proporcionados pelo Fed.

Além de manter os juros básicos próximos de zero por cento ao ano desde dezembro de 2008, nesse mesmo ano o Fed gastou US$ 1,7 trilhão em compra de papéis podres (enjeitados pelo mercado), recomprou outros US$ 300 bilhões em títulos do Tesouro americano - na primeira operação de afrouxamento quantitativo - e, agora, acaba de concluir r a segunda operação desse tipo, de US$ 600 bilhões.

Apesar do fraco resultado, Bernanke não reconhece o fracasso dessas manobras. Ao contrário, vem argumentando que os juros nas operações de crédito só não subiram graças a essa fartura de recursos. Suas declarações, especialmente a de ontem, parecem preparar os espíritos para mais despejo de moeda. Essa é a leitura que o mercado financeiro vem fazendo e fez dessas mensagens.

Não dá para dizer que a economia americana esteja estagnada. As projeções apontam para um crescimento do PIB, neste ano, de 2,5% a 3,0%. No entanto, o mercado de trabalho não reage e o desemprego aumenta.

Tudo se passa como se a crise tivesse mostrado ao empresário americano que ele pode aumentar a produção com uma folha de pagamentos bem mais enxuta, bastando para isso que importe mais semiacabados e invista parte de suas reservas em Tecnologia de Informação.

Ou seja, a crise tem servido para intensificar o processo de redivisão do mercado internacional de trabalho. Cada dólar pago em importações da China corresponde a mais empregos na China e menos nos países ricos. Apesar do esperneio dos sindicatos americanos e europeus, esse processo não pode ser revertido, pois as grandes empresas estão solidamente instaladas em território chinês, de onde provém, agora, grande parte dos seus resultados.

CONFIRA

Mais dólares chegando
Se a decisão do presidente do Fed, Ben Bernanke, for providenciar nova chuva de dólares, mais capitais desembarcarão no Brasil e a tendência à valorização do real se acentuará.

Dimensões chinesas
O crescimento da China, em termos anuais, no segundo trimestre, de 9,5%, foi apenas 0,1 ponto porcentual acima do que apontavam as projeções. Mas a diferença foi suficientemente pronunciada para garantir mais encomendas de commodities e de petróleo ao resto do mundo.

Amplia-se a brecha
Os juros pagos para rolagem da dívida dos países em pior situação da área do euro variam de 2,9 pontos porcentuais (Espanha) a 13,7 pontos porcentuais ao ano (Grécia) do que paga a Alemanha. Mesmo se houver uma solução, parece agora improvável que os juros voltem a ser praticamente os mesmos para todos os países da área. E essa diferença no custo das dívidas agora é suficientemente alta para acentuar as disparidades entre eles.

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