sexta-feira, março 04, 2011

ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

Malabarismo na Fazenda

ROGÉRIO FURQUIM WERNECK
O Globo - 04/03/2011

Esforços bem-sucedidos de contenção de gasto público requerem muito mais do que anúncios espalhafatosos de cortes de dispêndio. Exigem determinação e tenacidade, para que as intenções de austeridade não se esvaiam ao longo do ano, ao sabor das pressões políticas, no dia a dia da disputa orçamentária. Se o governo não tiver clareza sobre a razão do programa de corte de dispêndio e convicção sobre sua necessidade, é difícil que o esforço de contenção de gastos possa ser levado a bom termo.

Os excessos de 2010 legaram ao novo governo um quadro problemático de sobreaquecimento da economia, que terá de ser superado para que a inflação possa ser trazida de volta à meta. Seria muito bom para o País se, ao lidar com o desafio de arrefecer a demanda, o Banco Central pudesse contar com alguma ajuda pelo lado da política fiscal.

É esse diagnóstico, respaldado por amplo consenso, que parece ter inspirado o anúncio de corte de gastos feito pelo governo. Mas tudo indica que a inspiração foi mais do Planalto - ou, mais especificamente, da Casa Civil - do que do Ministério da Fazenda. A impressão que se tem é que, embora até venha tentando manter as aparências, a equipe da Fazenda não tem conseguido disfarçar suas resistências à inflexão de política fiscal que os cortes sugerem.


Em entrevista ao Estado de 26/2/2011, o secretário do Tesouro Nacional fez um diagnóstico bem diferente do quadro inflacionário, que não reconhece os efeitos deletérios dos excessos de 2010. "O motivo pelo qual a inflação teve crescimento tem a ver com fatores externos, a alta das commodities. Mas eu acho que a política fiscal pode ajudar a equilibrar a inflação. Embora ela não seja a origem dessa inflação, pode ajudar. Não temos intenção de reduzir o investimento, porque seu aumento tem efeito anti-inflacionário. A política fiscal expansionista de 2009 e do início de 2010 foi correta e necessária para o País retomar o crescimento. Não acho que ela causou, por si só, desequilíbrios inflacionários."

O ministro Guido Mantega tem opinião similar. É bem sabido que o ministro nutre visão um tanto peculiar da relação entre as políticas fiscal e monetária. Há pouco mais de quatro meses, por exemplo, saiu-se com uma declaração terminante sobre isso. "Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Essa história de dizer: "Faz ajuste fiscal que vai baixar o juros" é um equívoco, é não entender o sistema de metas de inflação." ("Folha de S.Paulo", 25/10/2010). Não há sinal de que tenha mudado de ideia. Na longa entrevista concedida à "Folha de S.Paulo" na semana passada (disponível na íntegra em folha.com.br/po881514), foi-lhe perguntado a certa altura: "Se a inflação está sob controle por que é preciso cortar [gastos]?" A resposta do ministro não poderia ter sido mais esclarecedora: "Eu falei que tem que cortar por causa da inflação?" De fato, não tinha falado.

É bem possível que a resistência do ministro da Fazenda a vincular a contenção de gastos ao combate à inflação provenha, em parte, de entendimento equivocado das relações que pautam a condução da política macroeconômica. Mas é bom também ter em conta que, por razões óbvias, Guido Mantega atribui hoje custo político proibitivo a reconhecer que o quadro de aceleração inflacionária com que hoje se debate o País advém, em grande medida, dos excessos fiscais de 2010, com os quais está comprometido até os ossos. O certo é que o ministro da Fazenda tem-se recusado a associar a contenção de gastos ao combate à inflação. Para grande irritação do Planalto. Na reunião com os líderes da base aliada nessa semana, a presidente fez questão de deixar claro que os cortes foram para ajudar a impedir a volta da inflação.

Em qualquer esforço de corte de gastos, o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro são os guardiões que, no embate diário dentro do governo, mantêm a integridade das metas fiscais. Sem que mostrem um mínimo de convicção sobre a necessidade dos cortes, é muito difícil que o programa de contenção de gastos possa ser cumprido.

ROGÉRIO FURQUIM WERNECK é professor de economia da PUC-RJ .

Nenhum comentário: