sábado, dezembro 25, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Economia da paz

MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 25/12/10
Em economia, há o que se pode medir e o que não é tão simples transformar em números. No caso da integração à cidade do Rio de partes antes dominadas pelo tráfico, há ganhos mensuráveis e os intangíveis.
Empresas e pessoas começam a descobrir as vantagens de superar as faixas que separavam a cidade. A superação é parcial mas já é possível vislumbrar os ganhos econômicos e sociais da nova realidade.

A Light perdeu R$ 1 bi em 2009 com roubo de energia. Desse total, 40% aconteceram em áreas de risco, dominadas pelo tráfico de drogas. O resto acontece por gatos espalhados por toda o estado, inclusive em condomínios, clubes, áreas nobres e Baixada Fluminense. O caso da Light mostra que não basta recuperar áreas dominadas, o mau comportamento é também de quem hoje pode pagar a conta. Outro problema que pode deter a legalização é que a luz é cara, em parte pelo imposto exagerado. Mas, em 2009, cerca de R$ 320 milhões deixaram de entrar nos cofres estaduais em forma de tributos e encargos por causa da luz furtada.
— Nossos cálculos são de perdas de 5.000 GWh/ano com ligações clandestinas. Isso é a energia consumida no Espírito Santo durante umano. Também é toda energia produzida por Angra I no mesmo período — disse MárioRomano, superintendente de Relacionamento com Comunidades da Light.
A recuperação dessasáreas tem efeito multiplicador.O morador que regulariza sua conta de luz passa a ter um comprovante de residência. Ele pode movimentar o comércio fazendo crediário e também pedidos pela internet.
— A conta de luz leva cidadania porque a pessoa passa a ter um comprovante de residência. Soubemos do caso de um presidiário em condicional que ia poder ficar em liberdade provisória porque teria como comprovar residência — disse Romano.
Outras empresas começam a se dar conta das vantagens de cada passo do processo de recuperação das áreas tomadas. A Souza Cruz contou à repórter Gabriela Moreira, do “Estado de S.Paulo”, que perdeu só este ano 100 veículos na região do Complexo do Alemão. Suas cargas eram roubadas e levadas para dentro do Complexo,onde a Polícia não entrava.
O Alemão era um refúgio de criminosos. O “Valor Econômico” fez recentemente reportagem mostrando que os micronegócios estão explodindo nas áreas pacificadas. Segundo o jornal, 1.400 negócios foram legalizados nos últimos 12 meses em áreas pacificadas, com a ajuda do Sebrae. O GLOBO publicou que várias empresas estão voltando ou se instalando nas imediações das favelas que não estão mais sob o domínio do tráfico.
Isso cria um círculo virtuoso. Moradores têm emprego e renda, pequenos negócios podem se formar para
fornecer serviços e produtos às grandes empresas. Pode ocorrer uma reversão do movimento que esvaziou áreas como o entorno do Complexo do Alemão, que virou um cemitério
de indústrias.
Na comunidade do Babilônia, 35 quilômetros de cabos e ramais de energia da Light foram instalados. Cerca de 650 domicílios receberam lâmpadas que consomem menos e 52 casas tiveram reformasinternas da rede elétrica.
Na Cidade de Deus, foram investidos R$ 6 milhões na troca de 30 mil lâmpadas, 2.500 geladeiras, e reforma da instalação elétrica de 1.700 residências. Cerca de 50 quilômetros de cabos foram trocados e 258 postes e 44 transformadores instalados. No Santa Marta, as ações de revitalização da rede elétrica resultaram em uma economia mensal de 90 mil KWh, o quesignifica o abastecimento de energia de 500 casas, quase um terço de toda a comunidade.
No Chapéu Mangueira, 360 moradores se cadastraram para receber novas geladeiras, com selo de baixo consumo. A companhia de luz já recuperou cerca de 10 mil clientes (residências), mas estimaque ainda há 700 mil e áreas de risco.
Na telefonia, a Oi estima que perdeu cerca de 30 milclientes no Complexo do Alemão em apenas três anos, de 2007 a 2010. Caiu de 37 milpara 7 mil. A expectativa é reconquistar esses clientes e ampliar o número para 50 mil já no ano que vem, com a oferta não só de telefonia fixa, mas também de TV por assinatura.
Sob o domínio dotráfico, conta o diretor de comunicação corporativa daOi, George Moraes, criou-se um monopólio imposto pelo poder paralelo: o “gatonet”:
— De repente, surgiu uma cidade de 600 mil habitantes dentro do Rio, com muitas demandas. Na TV por assinatura, havia um monopólio imposto pelo poder paralelo, o “gatonet”. Agora, esse mercado se abriu para outras empresas. Pretendemos entrarcom a Oi TV, com um preço bastante competitivo.
Na Cidade de Deus, a Oi TV já tem cerca de mil clientes, segundo Moraes, e em breve o serviço chegará a Vila Cruzeiro, Alemão, Dona Marta, Cantagalo e Pavão-Pavãozinho.
No Alemão, a meta é investir de R$ 10 milhões a 15 milhões nos próximos 120 dias, com a instalação de cabos, antenas e equipamentos para telefonia fixa, móvel, internet e TV por assinatura.
— A telefonia pública tambémperde muito nesses lugares.
No caso dos celulares, também há perda porque algumas áreas ou ficam sem cobertura, com regiões de
sombra no sinal, ou com sinal fraco, na medida em que não podemos instalar novos equipamentos
ou fazer manutenção.
Quando há risco para a segurança de nossos técnicos, eles acabam não indo
mais aos locais — explicou. Um empresário viu na Associação de Moradores do
Dona Marta caixas de correspondência da C&A chegando para os moradores.
Eram cartões de crédito. Há o intangível. Recentemente, a repórter Suzana Naspolini, do RJTV, foi ao Alemão mostrar focos de dengue a uma autoridade de saúde. Antes, nem a cobertura de cidade feita pelo jornalismo poderia acontecer. Agora, as informações circulam. As pessoas circulam. As empresas chegam. Bancos se instalam.
Os negócios florescem. Não está tudo resolvido, mas há mais chances agora.

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