sexta-feira, novembro 26, 2010

ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

O significado da manutenção de Mantega
Rogério L. F. Werneck 

O Estado de S.Paulo 26/11/10


A confirmação de Guido Mantega como ministro da Fazenda da presidente Dilma Rousseff é um fato de grande importância, pelo muito que deixa entrever dos rumos e possibilidades da política econômica no próximo governo.


Ainda que com pouco embasamento em fatos concretos, tem ganho destaque na mídia a ideia de que haveria uma reorientação significativa na política econômica a partir de janeiro, seja em resposta à evolução da economia mundial, seja para fazer face a dificuldades que se avolumam no front interno. Muito papel e muita tinta têm sido gastos com especulações sobre a possível reorientação da política fiscal.


Essa presunção generalizada de que o novo governo pretende corrigir a política econômica em curso vem impedindo percepção mais nítida do real significado da manutenção de Mantega na Fazenda. Não é claro, em absoluto, que o ministro tenha sido mantido para comandar a correção de rumo que hoje se faz necessária na política econômica. Embora não falte quem queira acreditar nisso, há outra hipótese muito mais plausível: o ministro foi mantido simplesmente porque não há, de fato, qualquer intenção de corrigir o rumo da política econômica. E não se pode descartar uma terceira hipótese: embora haja intenção de alterar a política econômica, a mudança de rumo que caberá ao ministro gerir será numa linha bem diferente da que hoje se faz necessária.


Mesmo que essa terceira hipótese seja deixada de lado, a segunda já dá razões de sobra para apreensão. De fato, não há por que pressupor que a simples transição de governo terá de implicar mudanças pronunciadas no rumo da política econômica. Muito menos uma transição tão peculiar como à que agora se assiste. Basta olhar para trás e fazer constatações muito fáceis. A política econômica dos últimos anos não foi só de Mantega. Isso é óbvio. Nem mesmo foi só de Lula. Foi, em boa medida, a política de Dilma Rousseff.


Ainda que como preposta de Lula, Dilma teve papel fundamental nas duas inflexões cruciais da política econômica observadas nos últimos cinco anos. Em 2005, no embate com Palocci sobre a necessidade de um ajuste fiscal. E em 2008-2009, quando o governo decidiu que aproveitaria a justificativa momentânea para medidas contracíclicas, ensejada pela crise mundial, para afrouxar de vez as peias da restrição fiscal, mesmo que, para isso, tivesse de passar a maquiar os indicadores de desempenho fiscal com a adoção de critérios contábeis indefensáveis.


Ao decidir manter Mantega na Fazenda, Dilma Rousseff deixou passar a oportunidade de aproveitar a transição para tentar manter encapsulado, no governo de seu antecessor, o alarmante descrédito que essa maquiagem vem trazendo à condução da política fiscal. Na verdade fez bem mais que isso. Deixou perfeitamente claro que não atribui maior importância à restauração da credibilidade da política fiscal. O que configura erro grave de avaliação.


Vem sendo noticiado que, para viabilizar uma redução da taxa real de juros para 2% ao ano, o novo governo anunciaria uma meta de rápida redução da dívida líquida do setor público para 30% do PIB. O que não está sendo devidamente percebido, contudo, é que, mantido o vale-tudo dos critérios contábeis que agora pautam o cômputo dos indicadores de desempenho fiscal, é pouco provável que o anúncio dessa meta ajudasse a dar credibilidade ao suposto compromisso do governo com o controle fiscal. Pois nada impediria que a meta fosse atingida pela via fácil dos truques contábeis. Bastaria, por exemplo, uma sequência "bem concebida" de novos empréstimos do Tesouro ao BNDES, financiados com emissão de dívida bruta, acoplados a operações de venda de ativos da União ao banco, na linha já testada na operação de capitalização da Petrobrás.


O ajuste fiscal que se faz necessário é bem diferente. E não será feito sob o comando de Mantega. Disso sabemos todos, com base no seu histórico dos últimos oito anos. O resto é autoengano.


ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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