sábado, maio 22, 2010

BRASIL S/A

Ameaças ao bolso
Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 22/05/10

Ataque do Congresso ao Tesouro traz debate sobre impostos e gasto público à campanha eleitoral

A economia e a política brasileira começam a passar mais cedo do que se esperava pelo que deverá estar nas manchetes na virada do governo do presidente Lula para o que vier sucedê-lo: a discussão sobre a evolução do gasto público, a qualidade do que é feito com ele, sua conexão com a carga tributária e formas de controlá-lo.

Ele envolve questões de fundo sobre o maior ou menor dirigismo do Estado sobre as decisões empresariais. A opção entre o emprego e o assistencialismo. O que se espera do sistema financeiro quanto ao financiamento de longo prazo com fontes voluntárias de capitais em contraponto ao modelo em fim de carreira do crédito estatal, hoje cada vez mais dependente de repasses do Tesouro via endividamento.

Não são questões triviais nem fáceis para uma campanha eleitoral, mas suas respostas, decorrentes das opções que o futuro presidente vier a tomar — vis-à-vis a coalizão partidária que puder formar no Congresso —, definirão o futuro do país e a sua governança.

Em tese, está em disputa se será com mais ou com menos Estado. No limite, porém, pode nem ser questão política, mas de necessidade, sobretudo pelo esgarçamento que o governo Lula permitiu do gasto e do crédito público, tirando de seu sucessor a margem de manobra que ele pôde dispor. O legado para 2011 será de aperto e ajustes.

Tal debate já ocupava a atenção das assessorias das candidaturas de Dilma Rousseff e José Serra, encimado por duas premissas meio consensuais, que se chocam com a ominosa atuação dos senadores e deputados, este ano, na aprovação desregrada de novas despesas.

A regra é que nenhum novo gasto orçamentário pode ser criado sem a indicação da fonte de receita que vai financiá-lo. O Congresso tem atropelado esse bom princípio legal, mas o Executivo também se omitiu quando confrontado pela vontade de sua base política.

Chocam-se, ainda, com a facilidade com que Lula cedeu à pressão de lobbies do funcionalismo, de ruralistas e outros, desfalcando o orçamento com gastos permanentes incompressíveis e com frustração de receitas — a sequela dos perdões de dívidas tributárias com os tais Refis, o último dos quais, aliás, aprovado como contrabando do Senado durante a votação do reajuste das aposentadorias.

O resultado é a economia impelida ao gasto de todas as origens e agora à mercê de o Banco Central arrochar os juros para cortar a propensão ao consumo do setor privado, entre pessoas e empresas, para abrir espaço à despesa canetada pelos políticos e o governo.
Excesso de velocidade
Ou o crescimento da demanda, que deve ter virado o 1º trimestre ao ritmo de 12% anual e ganhando velocidade, é desacelerado ou a inflação vai ferver — já acumula em doze meses aumento de 5,26%, acima, portanto, da meta anual de 4,5% — e vai-se abrir um rombo maior do que o previsto nas contas externas. Com a intervenção do BC sobre os juros, o deficit externo tende a 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) no final do ano. O problema não é financiá-lo.

Com as entradas de investimentos das multinacionais, a conta se fecha. Os deficits externos preocupam quando chegam a 3% do PIB e quando resultam mais de importação para o consumo conspícuo que de máquinas, equipamentos para os investimentos.
O BC de Dilma e Serra
As premissas em torno das quais Dilma e Serra parecem concordar, e, se divergem, é mais quanto à forma que o conteúdo, tratam da continuidade do crescimento com estabilidade, ou seja, sem pressão de preços, e capitaneado pelos investimentos.

A outra premissa os envolve num bate-boca curioso: ambos torcem o nariz para a proeminência do BC. Serra já explicitou o desacordo. Dilma aproveitou a deixa para defender a autonomia do BC, como fez em palestra em Nova York para executivos da banca. Foi aplaudida.

O economista Dionísio Carneiro resume a polêmica: “Quem leva a sério a responsabilidade fiscal não precisa tirar a independência do BC. Quem não leva não merece mandar no BC”.
A arte do equilíbrio
O juízo sobre quem merece mandar no que remete a instâncias tão ou mais cruciais que o BC, como o Congresso. A premissa dos planos econômicos assume a taxa de investimento sobre o PIB passando de 18% para 22% a 23%. O expansionismo fiscal encaminhado pelo Congresso sabota essa prioridade. O modelo em que a economia engorda pela demanda agregada turbinada a gasto público e crédito também não a atende. A arte está em equilibrar tais demandas. Como há mais de um jeito de fazer isso, esse é o debate que se impõe.
O gasto que ofende
O cuidado a tomar nestes tempos de queda de braço entre a Europa e os mercados financeiros, já tendo sido do mundo versus o dólar, é o consenso, digamos assim, infiltrado. Nos EUA, por exemplo, a crise gerou a regra segundo a qual “os mercados fazem a notícia, mas as notícias não fazem o mercado”. A economia brasileira está aquecida, mas não entrou em ponto de ebulição. O gasto público é demasiado, só que não pelo risco fiscal, ainda, pelo menos, e sim por sua qualidade viciada. Não há defesa possível quando se sabe que foram aprovados aumentos salariais para algumas categorias do funcionalismo de mais de 500%. Isso foi acintoso. É esse tipo de gasto que ofende e não o assumido para bancar investimentos.

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