quinta-feira, abril 08, 2010

EUGÊNIO BUCCI

O País polarizado e o lugar da imprensa
 O Estado de S.Paulo - 08/04/10

Com a aproximação das eleições, o País vai-se dividindo em campos opostos. Apaixonadamente. Chamam a isso de polarização - e muita gente gosta. De um lado e de outro, sempre há quem acredite que a tal polarização rende dividendos eleitorais. Tanto na situação como na oposição, agitam-se os que vivem de jogar lenha na fogueira, disparando provocações e xingamentos cujo propósito só pode ser o de acirrar ainda mais os ânimos. Uns e outros se julgam espertíssimos. Uns e outros estão errados. O caminho da exacerbação é o caminho da sombra.

Não que a franqueza não ajude o eleitor. Ela ajuda e é necessária, mesmo quando se expressa com rispidez. Os bons modos, por mais que sejam desejáveis, não devem implicar o sacrifício da clareza. Quanto mais os candidatos são diretos em ressaltar em que se diferenciam dos outros, melhor. O nosso problema, contudo, não é o excesso de boas maneiras - talvez seja o excesso de grosseria. Não corremos o risco de obscurecer as diferenças entre os candidatos por mesuras ou gentilezas artificiais; corremos, sim, o risco de transformar o ódio em espetáculo de palanque e, aí, perder de vista o que temos em comum. Nosso problema, enfim, não é ignorar as propostas que separam os partidos, mas esquecer o que nos une, independentemente dos partidos. É assim que a indústria do insulto corrói a sabedoria que deveria inspirar as decisões democráticas e solapa o bom senso.

Nesse contexto, a imprensa pode ajudar o cidadão a desconfiar da propaganda eleitoral, que tende a ser apelativa, chantagista, extremista. A imprensa tem hoje a grande chance de se apresentar como o fator de equilíbrio. Só depende dos jornalistas. Enquanto os cabos eleitorais têm o seu lado - ou a sua trincheira, como se gabam de dizer -, os jornalistas têm a chance de se distanciar das emoções enfurecidas e promover o esclarecimento. Entre um partido e outro, entre a esquerda e a direita, podem ficar ao lado do cidadão que procura bons fundamentos para decidir em quem votar. É nesse sentido que a imprensa tem, sim, o seu lado: ela é a favor da autonomia do eleitor; ela é contra o fanatismo e a intolerância.

Não, não é exagero falar em fanatismo e intolerância no Brasil dos nossos dias. Há sinais disso à nossa volta. A começar pelos pequenos sintomas. Por vezes, eu noto esses sintomas em leitores que comentam meus artigos na versão eletrônica deste jornal. Quando elogio a fala de um ministro de Estado, logo alguém me acusa de "petista de banho tomado". Quando critico arroubos de arrogância no presidente da República, sou tachado de opositor persistente. Para esses leitores, quem não fica nos extremos deve ser apedrejado. É como se os seus candidatos fossem a virtude em estado puro e só merecessem aplausos deslumbrados. Se você não concorda com eles, que seja silenciado à força.

Palavrões e ofensas pessoais roubam a cena. Rancor e vingança se espalham. O eleitor indeciso - justamente aquele que mais precisa da informação de qualidade - se vê rifado, atingindo por tiros envenenados que o constrangem, que o confundem ainda mais. Em sua ânsia por se diferenciar, os propagandistas partidários ateiam fogo à própria credibilidade para desqualificar o adversário. A eles não interessa a verdade. A eles só interessa o monólogo. Insistem que a contenda se dá entre os vilões - ou os lobos disfarçados de cordeiros - e os mocinhos, os salvadores da pátria. Assim, tentam tapear o público.

Contra esse maniqueísmo estreito e eleitoreiro, o cidadão tem poucas instâncias a lhe socorrer além da imprensa. De sua parte, se souber manter-se distante das paixões partidárias, a imprensa poderá ser útil. Tanto em mostrar as diferenças reais, como, principalmente, em mostrar as semelhanças entre os candidatos - e há mais semelhanças entre eles do que simulam suas campanhas raivosas. Os partidos não gostam de admitir, mas o fato é que existe uma agenda comum unificando os dois - ou mais de dois - lados da disputa.

Um exemplo? A estabilidade econômica. Eis aí um dos núcleos da agenda comum. Tanto isso é verdade que Lula, uma vez eleito, em 2002, foi buscar nas profundezas do partido rival, o PSDB, o nome que garantiria a continuidade do combate à inflação: Henrique Meirelles, que trocou a Câmara dos Deputados pelo Banco Central, onde se encontra, até hoje, como o guardião da moeda, o fiador da estabilidade. Outro núcleo da agenda comum está na justiça social, na redução da desigualdade. É por isso que José Serra não tem como atacar as políticas distributivas do atual governo: o que lhe resta é defendê-los e prometer melhorá-los.

A agenda comum unifica a Nação, mas, a depender da comunicação histriônica dos partidos, ela jamais apareceria. Só jornalismo independente pode serenar os ânimos e chamar o público à razão: o que está em jogo são programas de governo, não a beatificação dos presidenciáveis. Aliás, não existe outra opção para o jornalismo: ou ele se dedica a ser a reserva da razão em meio a essa guerra de irracionalismos, ou poderá ser percebido apenas como linha auxiliar de uma (ou outra) candidatura, o que faria dele, jornalismo, o principal derrotado das próximas eleições.

Há quem compare as campanhas eleitorais a um campeonato de futebol: cada um torce pelo seu time e, desde que o juiz não apite, vale tudo. A comparação é indevida, naturalmente, pois, em se tratando de eleições, o jogo pra valer só começa depois da apuração. Mesmo assim, se as eleições fossem uma final de campeonato, a imprensa não deveria torcer por nenhum dos times. Deveria torcer para o juiz, ou seja, pela lisura da competição, pela soberania do eleitor. É isso que fortalece a democracia. O resto é polarização, essa mania dos irresponsáveis.

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