terça-feira, março 23, 2010

LUIZ GARCIA


Demorou
O GLOBO - 23/03/10

Começou ontem em São Paulo o julgamento do casal Nardoni — acusado, se alguém já esqueceu, do assassinato de uma menina de cinco anos, dois anos atrás — mas até a véspera não havia certeza de que aconteceria. Tudo dependia de ter sido encontrada ou não uma testemunha que os advogados de defesa declaravam imprescindível.

Um cínico poderia acreditar que a testemunha, operário numa obra vizinha ao prédio do crime, seria indispensável não pelo que tivesse a contar, mas simplesmente por não ter sido encontrada. Está nas regras do jogo: quem teme pelo resultado tem sempre o direito de tentar adiá-lo.

O que não está nas regras é a extraordinária vulnerabilidade do sistema penal brasileiro a essas tentativas. Não dá para entender como e por que a investigação de um episódio isolado, ocorrido em espaço limitado e com apenas duas pessoas envolvidas, pode demorar dois anos. Ou, se a coleta de provas pela acusação demorou muito menos tempo do que isso, como o sistema penal dá aos advogados espaço de manobra para adiarem por tanto tempo a data do julgamento.

O caso Nardoni nada tem de excepcional: dois anos entre crime e castigo é uma demora considerada absolutamente normal no sistema penal brasileiro. Pouco importa se a coleta de provas por acusação e defesa exija uma pequena fração desse tempo. Julgamentos apressados certamente são inaceitáveis — mas nada parece justificar uma demora de dois anos. Principalmente quando ela só é possível quando os réus têm recursos e advogados competentes.

Pode não ser muito elegante comparar com o funcionamento dos tribunais de outros países. Mas não se tem notícia de que advogados americanos e europeus tenham queixas contra a agilidade dos seus respectivos sistemas judiciários.

No processo contra os Nardoni, na verdade, os advogados de defesa queriam mesmo era adiar ainda mais o julgamento: na semana passada, entraram com um habeas corpus pedindo mais tempo. Um sábio desembargador negou, observando, sabiamente, que o recurso tinha “nítido caráter protelatório”.

Dá para desconfiar que, nos últimos dois anos, esse caráter entrou em cena mais de uma vez.

Um sistema judiciário apressado demais corre sério risco de ser injusto. Mas também há um elemento de injustiça naquele que permite a protelação pela protelação. Especialmente se isso só está ao alcance de réus com dinheiro para pagar a bons advogados.

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