segunda-feira, fevereiro 22, 2010

CARLOS ALBERTO DI FRANCO

Arruda e as revoluções que faltam

O ESTADO DE SÃO PAULO - 22/02/10


Dois meses e meio após a descoberta do mais explícito caso de corrupção no andar de cima da classe política, a
Polícia Federal recolheu à sua carceragem, em Brasília, o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Na História do País, foi a primeira prisão de um governador no exercício do cargo. Arruda teve a prisão decretada pelo Superior Tribunal de Justiça, por 12 votos a 2, após ser acusado de tentar subornar uma testemunha. O governador afastado passou o carnaval preso. No momento em que escrevo este artigo, o previsível recurso ao habeas corpus ainda não atingiu a cidadania com mais uma ducha de água fria. O presidente Lula, segundo um assessor, ficou abalado e lamentou que "o escândalo tenha chegado a esse ponto" - desfecho que, em sua avaliação, não contribui para a "consciência política nacional".

Mas, ao contrário do que pensa o presidente da República, sempre tão sensível e solidário com os que são apanhados com a boca na botija, a prisão de Arruda contribui, e muito, para a "consciência política nacional". O que conspira contra a cidadania é a impunidade que cresce à sombra da leniência e da governança pragmática.

Corrupção endêmica e percepção social da impunidade compõem o ambiente propício à instalação de um quadro de desencanto cívico. Alguns, equivocadamente, vislumbram uma relação de causa e efeito entre corrupção e democracia. Outros, perigosamente desmemoriados, têm saudade de um passado autoritário de triste memória. Ambos, reféns do desalento, sinalizam um risco que não deve ser subestimado: a utopia autoritária.

O Brasil, ao contrário da Venezuela, tem instituições razoavelmente sólidas, embora parcela significativa da sociedade já comece a questionar a validade de um dos pilares da democracia, o Congresso Nacional. O descrédito generalizado, sobretudo dos parlamentares, captado em inúmeras pesquisas de opinião, é preocupante. Daí o estratégico veneno da "democracia direta", suavemente destilado no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Tal como Hugo Chávez, os estrategistas do Planalto propõem a valorização de instrumentos como "lei de iniciativa popular, referendo, veto popular e plebiscito". É a instalação do populismo autoritário, uma fachada de democracia que se apoia em três colunas: fisiologismo político, currais eleitorais e autoritarismo ideológico.

O fisiologismo político é responsável por alianças que são monumentos erguidos à incoerência e ao cinismo. Quando vemos Lula, José Sarney, Fernando Collor e Renan Calheiros, só para citar exemplos mais vistosos, no mesmo palanque, paira no ar a pergunta óbvia: o que une firmemente aqueles que estiveram em campos tão opostos? Interesse. Só interesse. Os fisiologistas têm carta branca para gozar as benesses do poder. Os ideológicos, lenientes e tolerantes com o apetite dos fisiológicos, recebem deles o passaporte parlamentar para avançar no seu projeto autoritário.

A arquitetura democrática de fachada recebe a certidão do "habite-se" na força cega dos currais eleitorais. A um projeto autoritário o que menos interessa é gente educada, gente que pense. Educação de qualidade, nem falemos. O sistema educacional brasileiro é de péssima qualidade. Multiplicam-se universidades, mas não se formam cidadãos: homens e mulheres livres, bem formados, capazes de desenvolver seu próprio pensamento, conscientes de seus direitos e de seus deveres. Há, sim, um apagão do espírito crítico. Desaba o Brasil na banguela de uma unanimidade que, como dizia Nelson Rodrigues, é sempre perigosamente burra. Nós, jornalistas, precisamos trazer os candidatos para o terreno das verdadeiras discussões. É preciso saber o que farão, não com chavões ou com lantejoulas do marketing político, mas com propostas concretas em três campos: educação, infraestrutura e ética.

A competitividade global reclama crescentemente gente bem formada. Quando comparamos a revolução educacional coreana com a desqualificação da nossa educação, dá vontade de chorar. Governos, independentemente de seu colorido partidário, sempre exibem números chamativos. E daí? Educação não é prédio. E muito menos galpão. É muito mais. É projeto pedagógico. É exigência. É liberdade. É humanismo. É aposta na formação do cidadão integral. O Brasil pode morrer na praia. Só a educação de qualidade será capaz de preparar o Brasil para o grande salto. Deixarmos de ser um país fundamentalmente exportador de commodities para entrar, efetivamente, no campo da produção de bens industrializados.

Para isso, no entanto, é preciso menos discurso sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e mais investimento real em infraestrutura. É preciso fazer reportagem. Ir ver o que existe e o que não existe. O que foi feito e o que é só publicidade. Ver e contar. É o nosso papel. É a nossa missão. Nós, jornalistas, sucumbimos com frequência ao declaratório. Registramos, com destaque, a euforia presidencial com a formidável escolha do Rio de Janeiro para sediar a Olimpíada. Ótimo. Mas como andam os projetos reais para preparar o Rio para evento? É por aí que devemos ir.

Tudo isso, no entanto, reclama o corolário da ética. Rouba-se muito. Muito dinheiro público desaparece no ralo da impunidade. Queixa-se a sociedade da impunidade radical. O fato de a
Polícia Federal prender e o Judiciário soltar, independentemente de eventuais razões processuais corretas que possam justificar o procedimento, conspira, sem dúvida, contra a credibilidade do Judiciário. Urge dar uma resposta à demanda de ética e decência da sociedade.

Educação, infraestrutura e ética devem ser o tripé da campanha eleitoral. O resto é faz de conta.

Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, professor de Ética, é diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br) e da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com) E-mail: difranco@iics.org.br

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