terça-feira, janeiro 12, 2010

RUBENS BARBOSA

Mais do mesmo

O ESTADO DE SÃO PAULO - 12/01/10


Em seu Breviário dos Políticos, o cardeal Mazarino ensina que, numa comunidade de interesses, o perigo começa quando um dos membros se torna muito poderoso. É o que está acontecendo com o Mercosul.

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, discursando na reunião do Conselho de Presidentes, disse: "É chegado o momento de discutir os desequilíbrios do Mercosul, simplesmente analisando os números de suas economias." Pensando no Mercosul e no Brasil, mas referindo-se à União Europeia (UE), observou que "o grande peso da integração foi carregado pela Alemanha, não por que os alemães fossem mais europeus do que os outros, mas porque o tamanho da sua economia e o peso do seu capital permitiram que as demais nações tivessem a possibilidade de incorporar infraestrutura e desenvolver um potente comércio intrazonal".
A diplomacia da generosidade e a paciência estratégica não são suficientes. O Brasil está-se tornando tão forte que, na visão argentina, tem a obrigação de carregar os parceiros mercosulinos, inclusive a Venezuela.

Sob uma perspectiva histórica, a 38ª reunião do Conselho do Mercosul, realizada em Montevidéu no início de dezembro, poderá ser vista como o momento em que o Brasil passou a admitir a irrelevância do grupo sub-regional para seus interesses econômicos e comerciais, ao contrário do discurso oficial muito positivo do atual governo.
Repetindo a retórica vazia que tem caracterizado os pronunciamentos dos líderes políticos sobre o Mercosul, os presidentes (incluindo Hugo Chávez), em longa declaração conjunta, reafirmaram seus compromissos com os princípios do Tratado de Assunção, entendendo que o fortalecimento do Mercosul é o caminho para uma inserção internacional mais sólida e ferramenta fundamental para o desenvolvimento da sociedade de seus países.

Na realidade, os resultados da reunião foram decepcionantes e apontam em outra direção. O governo brasileiro encarregou-se de esvaziar a reunião com a ausência dos seus principais representantes. O presidente Lula fez um pit stop de dez horas em Montevidéu, pronunciou um discurso de dez minutos, não participou do almoço de despedida do presidente Tabaré Vázquez, do Uruguai, e voltou correndo para Brasília. Em ostensiva coordenação, os ministros Guido Mantega, da Fazenda, e Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, não compareceram. O chanceler Celso Amorim tampouco se deu ao trabalho de viajar para o Uruguai, onde se fez representar pelo secretário-geral do Itamaraty, embaixador Antônio Patriota.

Os presidentes da Argentina, Cristina Kirchner, e do Paraguai, Fernando Lugo, aproveitaram para cobrar do Brasil uma ação mais forte para a redução das assimetrias de modo a promover o crescimento dos parceiros. O presidente da Venezuela utilizou, mais uma vez, o Mercosul como plataforma política para criticar os EUA ("vão declarar guerra a toda a América do Sul") e a Colômbia. O secretário-geral do Itamaraty, jejuno nos assuntos do Mercosul, em mais um exemplo da distância entre a retórica oficial e a realidade, afirmou que o bloco terá um período mais promissor, dadas as boas perspectivas de crescimento do Brasil até 2014. O incremento do comércio regional, a partir de julho de 2009, reforçaria essas previsões otimistas. Em sua avaliação, esse novo cenário criaria uma janela de oportunidade para mais uma reflexão construtiva sobre o futuro do Mercosul e sobre as alterações institucionais que devem ser realizadas para enfrentar as novas circunstâncias do cenário internacional; o ambiente positivo favoreceria a integração produtiva e a adequação das questões da dupla tributação da Tarifa Externa Comum (TEC) à necessidade de que o bloco "olhe para fora". Para tanto exortou os países a examinarem suas posições na Rodada Doha e a trabalharem conjuntamente em negociações com terceiros, especialmente na retomada das negociações com a UE por meio de uma necessária abordagem política. Adicionalmente, Patriota observou que o Parlamento do Mercosul será fortalecido com a contribuição do Brasil, que flexibilizou - isto é, cedeu mais uma vez - a posição no tema da proporcionalidade das representações nacionais. Finalmente, advogou a aprovação de concessões tarifárias ao Haiti em alguns produtos têxteis para apoio à sua estabilização econômica e política, proposta vetada pelo Paraguai.
As únicas medidas efetivas tomadas são protecionistas e contrárias ao livre-comércio:
Adiamento da eliminação da lista de exceção da TEC, prevista para desaparecer em 2010 e que agora, por pressão argentina e aceitação resignada do Brasil, deverá ocorrer somente em 31/12/2011. Na realidade, já se pode imaginar que quando chegar essa data acabaremos aceitando nova postergação.

Aumento de tarifas, a pedido do Brasil, para fios e filamentos têxteis de 14% para 18% e para 11 produtos lácteos (leite em pó e tipos de queijo) de 11% para 28%. A pedido da Argentina, para mochilas, malas e bolsas, de 16% para 35%.

A Argentina propôs a ampliação do uso da moeda local nas transações comerciais intrarregionais e a Venezuela saudou a constituição do Banco do Sul, medidas que encontram grandes dificuldades técnicas e políticas para serem implementadas.

Foi aprovado o aumento do orçamento do Fundo de Conversão Estrutural (Focem) para 2010 com maior contribuição do Brasil, apesar das dificuldades criadas pela Argentina para a aprovação do projeto da construção de linha de transmissão entre o Brasil e o Uruguai, em razão da disputa sobre a construção da fábrica de celulose no Uruguai.
Para culminar essa comédia de equívocos, o presidente Lula anunciou publicamente que o Senado brasileiro iria aprovar a adesão da Venezuela ao Mercosul naquele dia, o que só veio a ocorrer duas semanas mais tarde.


Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

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