segunda-feira, janeiro 25, 2010

GEORGE VIDOR

Gás americano


O Globo - 25/01/2010

Os Estados Unidos têm um trunfo no bolso do colete capaz de reduzir fortemente a atual dependência da economia americana de fontes de energia no exterior. Trata-se do aumento das suas reservas de gás natural em áreas onde antes não se acreditava que pudessem existir grandes concentrações de hidrocarbonetos. O chamado gás não convencional já equivale a 40% da produção.

Em 1990, esse tipo de gás natural representava menos de 10% da produção americana. Como é encontrado em algumas formações geológicas supostamente não geradoras de hidrocarbonetos, a exploração das jazidas depende do desenvolvimento de novas tecnologias e do aprofundamento de pesquisas que desvendem os segredos dos reservatórios.

Mesmo assim, alguns especialistas, como Daniel Yergin (autor do mais interessante livro sobre a história do petróleo), prevêem que a reserva potencial daria para abastecer o mercado americano por 90 anos — mantido o patamar atual de demanda.

O gás natural não convencional foi inicialmente encontrado no Texas, mas as jazidas, contendo xisto, se estenderiam da Louisiana e Arkansas, no Sul, até a Pensilvânia e o Estado de Nova York, no Norte. Haveria uma formação semelhante também na costa oeste do Canadá, mais precisamente na região de British Columbia, onde hoje não há exploração de hidrocarbonetos.

Os volumes de gás não convencional que estão sendo estimados corresponderiam a mais da metade das reservas provadas do Catar, emirado do Oriente Médio apontado como a nova potência no mercado internacional do gás natural liquefeito.

Curiosamente, os Estados Unidos não têm feito alarde desse rápido crescimento na sua produção de gás natural não convencional.

Na recente reunião de cúpula de Copenhague (Cop 15), o presidente Barack Obama sequer fez menção a essa fonte energética menos poluente.

No entanto, o impacto dessas descobertas talvez mude os rumos do mercado mundial de energia nos próximos anos. Os Estados Unidos podem reduzir emissões de gases do efeito estufa usando mais GNV (gás natural veicular) e/ou substituindo carvão e óleo em usinas térmicas geradoras de energia elétrica. Ou seja, na verdade os americanos até estariam em condições de assumir compromissos mais ousados de redução dessas emissões, o que teria viabilizado um acordo global em Copenhague.

Tal trunfo talvez explique porque não chegaram a não descartar esse acordo. Só pediram mais tempo para negociar, esperando uma contrapartida da China.

A timidez americana, ao que parece, pode estar ligada à necessidade de desenvolvimento tecnológico para exploração e aproveitamento desse gás não convencional. As técnicas conhecidas exigem o uso de muita água no processo e há risco de contaminação de lençóis subterrâneos.

Embora a hipótese de autossuficiência americana no suprimento de gás natural seja factível, o aproveitamento do combustível fóssil encontrará resistência por parte de ambientalistas se funcionar como inibidor de fontes renováveis de energia.

E os próprios Estados Unidos não gostariam de desestimular investimentos, como os que estão em curso no Peru e em Angola, porque para o país é estrategicamente importante diversificar seus fornecedores de gás natural.

O Brasil, com as descobertas na camada do présal, tem alimentado a ideia de se tornar um exportador de gás natural liquefeito.

Dependendo do comportamento dos preços internacionais, essa exportação poderá não ser atrativa após 2020.

As reservas de gás natural dos Estados Unidos eram da ordem de 4,96 trilhões de metros cúbicos no ano 2000. Desde então, eles produziram 4,64 trilhões de metros cúbicos, e ainda assim em 2008 as reservas de gás estavam estimadas em 6,68 trilhões de metros cúbicos, a quinta do planeta.

Em menos de dez anos os Estados Unidos produziram quase o mesmo volume das reservas provadas que possuíam em 2000.

Embora tenham acelerado a produção, agora têm mais reservas do que no início do milênio.

Pode ser coincidência, mas várias companhias petrolíferas americanas perderam o interesse ou pretendem vender ativos promissores no exterior. E a justificativa quase sempre está ligada ao incremento de investimentos dentro dos Estados Unidos, geralmente voltados para o gás.

A economia brasileira já se viu muitas vezes em maus lençóis devido a dificuldades de financiamentos de seus compromissos em moeda estrangeira.

As crises mais recentes foram em 1997, 1999 e 2002. Por isso, o reaparecimento de elevados déficit nas transações correntes (que contabilizam o movimento de mercadorias e serviços com o exterior) causa algum desconforto, embora possa ser um fenômeno transitório, compatível com a arrancada nos investimentos para aumento futuro da produção.

A diferença em relação a crises anteriores é que a rolagem da dívida externa deixou de ser um problema (as reservas do Banco Central em dólar garantiriam o pagamento integral dos débitos), as exportações do país alcançaram um patamar relevante e desde 1999 o país adota um mecanismo de ajuste natural, que é o câmbio flutuante.

Mas em economia o que vale mesmo é o teste São Tomé. Será preciso ver como tudo isso funciona na prática.

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