sábado, dezembro 05, 2009

MÍRIAM LEITÃO

Cena do clima

O GLOBO 05/12/09


Uma hora antes de o presidente Lula anunciar as metas de redução das emissões de gases de efeito estufa, quase tudo deu para trás. Uma conversa paralela entre o ministro Carlos Minc e a ministra Dilma Rousseff sobre hidrelétricas demorou, e Lula quis saber se podia adiar. Dentro do governo, adversários das metas aproveitaram a deixa e quase tudo ficou no ar.

O debate esquentou entre os vários ministérios envolvidos, mas o presidente acabou decidindo anunciar as metas naquele dia. Foi assim, por um triz, que o Brasil escapou do papelão de continuar se recusando a adotar objetivos voluntários de redução dos gases de efeito estufa. Dias depois, o ministro Reinhold Stephanes estava dentro do governo defendendo a ideia-bomba que ele carrega grudada ao corpo de que devem ser simplesmente eliminadas as reservas legais dos biomas brasileiros. Não é nem reduzir de 80% para 50% na Amazônia a área que tem que ser protegida. É pior que isso: é acabar com tudo. O argumento dele é que isso não existe em nenhum lugar do mundo e deveria acabar essa limitação ao desmatamento no Brasil.

Esses dois fatos já seriam suficientes para mostrar como a posição do Brasil de assumir compromissos de redução de emissão de gases de efeito estufa ainda não foi entendida e aceita dentro do próprio governo.

Mas tem mais. A escolha da ministra Dilma Rousseff como chefe da delegação é um despropósito.

Ela nunca demonstrou qualquer interesse, apreço ou simpatia pelo tema. E foi escolhida unicamente pelo fato de ser candidata e estar sendo pendurada em todo o palanque que o presidente Lula consegue armar para ela. É um equívoco fazer isso num tema dessa relevância. Nada deveria ser improvisado, nem servir a propósitos eleitorais nesta conferência.

Oficialmente, a reunião começa neste fim de semana, mas já começou, na verdade.

O negociador-chefe do Brasil, embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, já está em Copenhague em reuniões preparatórias e em contatos com o governo dinamarquês, que comanda a Conferência. O presidente Barack Obama passará por lá no dia 9. Os outros chefes de Estado só vão nos dias 17 e 18. O Itamaraty recebeu uma indicação de que, apesar disso, Obama estará disponível nos dias das reuniões.

Não se sabe se para voltar lá ou para ter contatos telefônicos.

Essa ida antes da hora é ruim. Vai lá, tira a foto, anuncia suas metas e apenas porque está no caminho de Oslo. Não terá interlocutores além do governo da Dinamarca porque ninguém terá chegado. Analistas do governo brasileiro acham que Obama terá que pôr um asterisco em suas metas para informar que elas são provisórias. Em Barcelona, na última reunião preparatória, o chefe-negociador americano Todd Stern deixou claro que o governo não pode perder um único voto no Senado. Se o fizer pode perder a votação de lei que estabelece metas. Teme que qualquer movimento possa ser considerado um rolo compressor sobre o Senado.

Por isso ele anunciou 17% de queda sobre 2005, que é o que foi aprovado na Câmara dos Deputados.

A situação melhorou muito nessa reta final para Copenhague e por isso ela será marcante, ainda que não se chegue ao acordo ideal. O Brasil fez o movimento quando faltavam dois minutos para terminar o segundo tempo. Mas fez o movimento certo e antes dos Estados Unidos, China e Índia.

Se aquela reunião do anúncio de metas tivesse sido adiada, o Brasil perderia a hora certa.

A dificuldade agora é como transformar esses anúncios políticos dos diversos países em números comparáveis.

A Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável divulgou ontem uma tabela tentando dar uma unidade ao tamanho do esforço dos Estados Unidos, Brasil, China, União Europeia, Rússia, Indonésia. Pelos números, a proposta brasileira representa chegar a 2020 com 15% de emissão a mais do que tinha em 1990 e 22% menos do que em 2005 (veja em meu blog o estudo).

O da China significa aumento em relação a 1990 (253%) e em relação a 2005 (90%).

A grande dúvida que esse trabalho suscita é que os números brasileiros são vagos, a base de dados, frágil, o inventário de emissões é preliminar, as projeções, pouco transparentes. Como, em cima de dados assim, se pode fazer qualquer outro cálculo? Além do mais, se for isso mesmo, o Brasil perdeu uma enorme chance de divulgar que o objetivo era uma queda de 22% em relação a 2005. Ficaria muito melhor na foto, do que falar em corte das previsões futuras da emissão no cenário Business As Usual, como foi dito.

O debate global sobre como proteger o planeta, que mobiliza tanta gente madura e fala ao coração dos jovens, mergulhará nos próximos dias no mundo árido dos números, semântica e siglas. Alguns documentos e declarações de especialistas lembram conversas em sânscrito. Nem parece que falam sobre o mais decisivo tema para definir a qualidade de vida — ou a vida sobre o planeta Terra.

Sérgio Leitão, do Greenpeace, me disse que Copenhague já é um sucesso “de público, de crítica, de presença”; Rubens Born da Vitae Civilis lembra de quando ele rodava as redações brasileiras na reunião de Kioto explicando para jornalistas desinteressados a importância do tema. Desta vez, nada precisa ser explicado, os jornalistas brasileiros estão de malas prontas. Vários vão para a segunda semana que será mais decisiva. Eu vou já. Embarco domingo à noite. O assunto invadiu todas as áreas, inclusive a economia.

Tanto que quando eu falei para o meu editor, Rodolfo Fernandes, que queria ir a Copenhague, ele respondeu: “Faz todo o sentido.” Mandarei notícias, a partir da coluna de terça. Espero que elas façam sentido.

COM ALVARO GRIBEL

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