quinta-feira, dezembro 24, 2009

ÉLISABETH LAVILLE

REVISTA VEJA
Economia limpa Perspectiva 2010

Élisabeth Laville

O que virá depois de Copenhague

Certamente não é a morte, apesar dos resultados tímidos
da cúpula. A sustentabilidade, todos concordam,
é a próxima fronteira da inovação e o principal motor
dos negócios

Fotos: AVG/Latinstock; Germano Luders/Getty Images
APOCALIPSE
Manifestante na capital dinamarquesa vestido
a rigor para anunciar o fim dos tempos

A sustentabilidade não é mais opcional: é essencial. Depois de anos gastos na exploração da filantropia e da cidadania corporativas, a revolução verde está finalmente acontecendo nas salas de conselhos administrativos em muitos países. Admite-se cada vez mais que, com o passar do tempo, as marcas líderes só vão permanecer como tal se também forem reconhecidas como líderes da responsabilidade corporativa – e se isso for visível não só em suas práticas internas ou processos industriais, mas também na maior parte dos seus produtos e serviços.

O ano de 2010 será o primeiro dessa nova era de maturidade para as estratégias corporativas de sustentabilidade. Esse período, que chamo de "sustentabilidade 2.0", é a última e mais excitante fase de uma evolução que já dura quase trinta anos. A "pré-história" da responsabilidade social corporativa (RSC), que durou basicamente quinze anos, de 1980 a 1995, estava focada em doações benemerentes para boas causas ou patrocínios de empresas que não vinculavam de forma alguma essa "filantropia corporativa" ao seu modelo de negócios, estratégia ou oferta de produtos – que permaneciam incontestes e imutáveis. A esse estágio se seguiu a primeira era da RSC moderna (RSC 1.0): os anos seguintes, de 1995 a 2009, testemunharam uma ampliação da cidadania corporativa para práticas industriais e processos corporativos, na maior parte das vezes por causa de uma abordagem defensiva, de modo a antecipar novos regulamentos, prevenir crises industriais e de imagem. Tratava-se, ainda, de reduzir custos relacionados ao consumo excessivo dos recursos naturais e relatar esforços feitos para limitar os impactos negativos dos negócios sobre as pessoas e o planeta (via compras éticas, por exemplo). Isso nos levou à situação de hoje, em que quase todas as empresas falam de sustentabilidade... E daí?

Na maioria das vezes, essa abordagem não levou a inovações perturbadoras, não conseguiu integrar a sustentabilidade à "real" estratégia de negócios ou ao modelo empresarial da companhia, nem alterou os produtos e serviços que a empresa oferece. Produtos e serviços "verdes" ou "responsáveis" têm sido lançados, mas, sem serem realmente promovidos, respondem por menos de 1% das vendas (isso vale para o turismo sustentável, a comida orgânica e os investimentos éticos ou responsáveis). De certa maneira, a atual RSC tem sido ótima em manter as coisas como estão por algum tempo a mais, sem considerar mudanças profundas. Mas, embora a reputação das empresas tenha melhorado, isso não bastou para resolver os desafios sociais e ecológicos que enfrentamos – as emissões de CO2 aumentaram quase exatamente na proporção em que deveriam ter diminuído desde o Protocolo de Kyoto, 75% dos estoques marítimos de pesca estão superex-plorados, metade das florestas tropicais e temperadas do mundo sumiu e a disparidade entre os mais ricos e os mais pobres dobrou nos últimos trinta anos do século XX.

Siegfried Layda/Getty Images
COLABORAÇÃO
A Lego saiu da falência ao permitir que os consumidores criem e vendam peças on-line

Por quê? Porque as práticas corporativas só afetam uma pequena parcela de seu funcionamento. Não importa que uma companhia automobilística esteja indo bem no emprego do certificado ISO em suas instalações industriais e na redução das emissões de CO2 de suas fábricas se os carros representam 80% do impacto climático. Se não trocarmos as matrizes tecnológicas usadas para a mobilidade (seja elétrica, híbrida etc.), se não pensarmos em soluções alternativas de mobilidade que sejam mais sustentáveis do que carros individuais (transporte público ou compartilhamento de veículos, por exemplo) e, acima de tudo, se não conseguirmos torná-las habituais em todo o mundo, vamos fracassar na solução do desafio climático... Isso também vale para iogurtes, cujo impacto sobre a mudança climática não está relacionado com as práticas corporativas (emissões de CO2 das fábricas e caminhões, por exemplo), mas sim com a pecuária industrial (50%), que representa 10% das emissões mundiais. É bom tornar fábricas e transporte menos poluentes, mas que sentido faz se não se pensar em mudar o produto em si?

A lógica também se aplica aos bancos, cujos esforços para ter sedes energeticamente mais eficientes, aumentar o uso da videoconferência em vez das viagens aéreas dos funcionários e promover a reciclagem de papel e o costume de desligar o computador à noite são de fato bons hábitos, mas não significativos na redução do seu impacto sobre a mudança climática. Hoje, as emissões indiretas de CO2 resultantes das atividades bancárias (por exemplo, ao investir no setor de petróleo, em indústrias automobilísticas etc., em vez de investir no desenvolvimento de energia renovável, agricultura orgânica, prédios "verdes" etc.) são mil vezes mais decisivas do que as diretas, relacionadas às atividades administrativas e das agências bancárias.

Tal é o cenário em que nos encontramos hoje, e este é o desafio para 2010 e além: precisamos dar início a uma nova revolução da RSC, uma revolução silenciosa, que felizmente já começou em alguns grupos importantes do mundo todo. Essa nova abordagem, avançando progressivamente para fora do pequeno círculo inicial de empresas comprometidas (como The Body Shop, na Inglaterra, Ben & Jerry’s, nos Estados Unidos, e Natura, no Brasil), consiste em ir além da gestão do risco, de modo a aproveitar o potencial de inovação e diferenciação trazido pela sustentabilidade. Isso exige que ponhamos a sustentabilidade no coração da estratégia corporativa, numa abordagem proativa (e não reativa ou defensiva), pela qual grandes multinacionais revisitam seus modelos de negócios e se valem de todos os recursos e energia para efetuar mudanças nos seus mercados com o objetivo de difundir a sustentabilidade e torná-la acessível a cada consumidor.

A rede inglesa de varejo Marks & Spencer lançou em 2007 o seu "Plano A" de cinco anos (já que não há plano B para salvar o planeta): trata-se de um "ecoprograma" que abrange a companhia inteira, com cinco temas e 100 compromissos para tornar a sustentabilidade mais habitual nas prateleiras. Com base em um contínuo diálogo com os acionistas, a M&S decidiu, entre outras iniciativas, que só ofereceria ovos de galinhas criadas soltas – não só no caso dos ovos vendidos in natura, mas também de massas e bolos. Além disso, ela se tornaria neutra na emissão de carbono, deixaria de transportar alimentos por via aérea, não enviaria lixo para aterros e até 2012 só venderia algodão, chá e café orgânicos e oriundos do comércio ético. Com a mesma mentalidade, a Philips decidiu em 2007 que até 2012 teria 30% de seu faturamento associado a produtos "verdes", o que alterou toda a abordagem da empresa em relação à inovação. No mesmo ano, a Procter & Gamble adotou publicamente a meta de desenvolver e comercializar 50 bilhões de dólares em produtos inovadores sustentáveis até 2012 (algo como 12% de seu faturamento acumulado no período). Muitos deles são detergentes para água fria, que acarretam menores custos energéticos (uma casa média nos EUA gasta 3% de seu orçamento elétrico anual aquecendo água para lavar roupa). Com esses produtos inovadores, em apenas seis anos a P&G elevou de 2% para 28% a proporção de lares que lavam roupa com água fria na Inglaterra, e de 5% para 52% na Holanda.

Essa abordagem focada na inovação do mercado já provou seus benefícios em termos de reputação para empresas como a Toyota, que registrou aumento de 90% no valor financeiro de sua marca, segundo a pesquisa anual Interbrand, graças a esforços para integrar a sustentabilidade em sua gama de produtos e em sua estratégia de marketing, desde o lançamento pioneiro do carro híbrido Prius, nos EUA.

Estimulada em todo o mundo por novos regulamentos relacionados a impostos ambientais e indexação de produtos, essa abordagem inédita exige uma mentalidade criativa. Abordagens empresariais tradicionais não serão tão eficientes no mundo pós-crise e pós-Copenhague: as empresas precisarão desenvolver uma abordagem inovadora para a própria inovação. Isso envolverá cinco posturas fundamentais:

1. Preferir serviços imateriais a bens com uso intensivo de recursos e produção de detritos.

A Apple passou à frente do Walmart e se tornou, com o iTunes, o varejista musical número 1 dos EUA. Faz sucesso o serviço "self-service" de aluguel de bicicletas, o Vélib, disponível 24 horas, sete dias por semana, em cidades congestionadas como Paris e Lyon.

2. Ver a natureza como professora, e não só como fornecedora.

Despontam inovações inspiradas na natureza, como os edifícios biomiméticos sem ar condicionado, inspirados nos cupinzeiros e no seu sistema de refrigeração passiva, que se baseia em túneis construídos de modo a apanhar a brisa.

3. Escolher abordagens de fonte aberta, em vez das confidenciais, sigilosas e patenteadas.

Dá para pensar seriamente em patentear um cosmético criado a partir de uma planta usada há séculos por indígenas na América do Sul?

4. Desenvolver uma abordagem colaborativa para a inovação.

O caminho aqui é envolver os clientes na criação e teste de novos produtos. A BMW pediu a 500 consumidores dos Estados Unidos que testassem e melhorassem, durante um ano inteiro,
seu novo Mini E elétrico. A Lego saiu da quase falência ao permitir que seus consumidores
criem e vendam os próprios produtos no site www.legofactory.com.

5. Aceitar que a inovação mais radical do amanhã pode vir das beiradas do sistema, de onde ninguém espera.

As empresas têm de ficar alertas para o que está ocorrendo abaixo de seu radar. A Aurolab, lançada em 1992, na Índia, como a primeira fábrica sem fins lucrativos em um país em desenvolvimento para produzir a preços acessíveis lentes intraoculares usadas na cirurgia de catarata, tornou-se um dos maiores fabricantes mundiais do produto, com 7% do mercado, vendendo mais de 600 000 unidades por ano a dezenas de países. Em outra ponta, o onipresente Google entrou no mercado de energia, com o PowerMeter, destinado a conceder aos consumidores uma informação detalhada sobre seu uso doméstico de eletricidade ao longo do dia.

Fique atento: todo esse novo mundo empresarial começa em 2010, que pode muito bem ser o primeiro de uma série de anos excitantes e inspiradores na reinvenção do capitalismo.

Ian Langsdon/Epa/Corbis

COLETIVO
A norma agora é preferir serviços com uso intensivo dos recursos, como ocorre com o Vélib, sistema de aluguel de bicicletas desenvolvido em Paris (foto) e Lyon


Élisabeth Laville é diretora da consultoria francesa Utopies, especializada em estratégia e desenvolvimento sustentável

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