quarta-feira, outubro 21, 2009

FERNANDO CALAZANS

Os esquecidos

O GLOBO - 21/10/09


Petkovic veio fazer um favor ao futebol brasileiro. Não ao nosso maior campeonato, não ao enfraquecido futebol do Rio, não ao Flamengo — mas ao futebol brasileiro e aos observadores do futebol brasileiro. Aos 37 anos de idade, por incrível que pareça, um sérvio vem ensinar aos brasileiros — jogadores, técnicos, dirigentes, jornalistas — que jogador de futebol tem que saber jogar futebol.
Simples assim, não é?
Eis a sua lição, com a mesma simplicidade do futebol que ele pratica. Isso num momento em que — como já observou muito bem um craque e um crítico do porte de Tostão — os brasileiros estão desaprendendo a analisar futebol, desaprendendo a ver um jogo de futebol, desaprendendo a apreciar o futebol, principalmente o bom futebol. Estamos esquecidos.
E isso é triste, num país que já teve alguns dos melhores times de futebol do mundo, que já teve algumas das melhores seleções de futebol do mundo, que já foi cinco vezes campeão de futebol do mundo.
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À medida que a imprensa, a mídia, desaprende a apreciar o bom futebol, ela vai ensinando errado à garotada que está entrando no estádio pela primeira vez. E o brasileiro vai esquecendo o que é e o que foi seu futebol. E a gente corre o risco de ter o Diego Souza ou o Adriano como craque de um Campeonato Brasileiro (para não falar em Tardelli, em Souza ou não sei mais quem). E a gente corre o risco de ter um Palmeiras, um Atlético-MG, um São Paulo, um Inter e mesmo um Flamengo ou um Cruzeiro como campeão deste campeonato em que até os líderes fracassam em casa ou fora dela.
É o Campeonato Brasileiro dos fracassos. Quem fracassar menos será o campeão. E é isso o futebol brasileiro, pelo menos o daqui de dentro. Se este campeonato ainda tem favorito, para mim continua sendo o Palmeiras — este Palmeiras que não vence há três rodadas, que nos últimos três jogos somou um ponto só, este Palmeiras que perdeu de 3 a 0 para o agonizante Náutico na casa do adversário e que perdeu de 2 a 0 para o Flamengo em sua própria casa. Eis o meu favorito para o título de campeão brasileiro de 2009.
E o que tem o Pet com isso? Aos 37 anos, repito, Petkovic reapareceu no futebol brasileiro, ressurgiu do nada, para nos fazer lembrar o que é futebol, o que é jogar futebol.
E não vai aqui nenhum oba-oba, eu que não sou disso. Petkovic passa longe da lista de maiores jogadores que vi ao longo de muitos anos de estrada e de estádio. Passa longe. Não tenho ideia se, com quase 40 anos, ele vai continuar jogando como jogou contra o Palmeiras. Nem tenho ideia se o Flamengo vai continuar vencendo, por causa dele ou não. Não tenho ideia se Petkovic vai continuar reaparecendo, ressurgindo, ou se vai desaparecer para sempre.
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Eu sei que Petkovic voltou simplesmente para nos lembrar de que jogador de futebol tem que saber jogar futebol. Eis a diferença — simples e única, única e simples — entre ele e os outros jogadores deste Brasileiro. Petkovic sabe jogar futebol. O ato de jogar é simples para ele, é corriqueiro. Não precisa distribuir cotoveladas na cara dos adversários, como vemos em todos os jogos, todas as disputas.
Para Petkovic, é ele e a bola. É o que basta para jogar futebol. A simplicidade do drible, do toque, do passe, do chute. Mas atenção, hein: é simples só para quem sabe. Para quem não sabe, como vemos rodada após rodada, é uma complicação danada.
Só não sei se essa lição tão simples de Petkovic — simples como ele e como seu futebol — será compreendida por todos, jornalistas, dirigentes, técnicos e jogadores. Entre os nossos observadores, há, sim, quem possa entender e interpretar a mensagem do Pet. Mas não são muitos.

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