domingo, agosto 30, 2009

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Especulação

O GLOBO 30/08/09

A questão histórico-biográfica envolvendo o ovo e a galinha que há anos divide a humanidade – quem veio primeiro, quem deve sua existência a quem – pode, com alguma adaptação, se aplicar a Lula e o PT. Lula deve sua existência política ao PT ou o PT deve seu poder político a Lula? O presidente teria o mesmo sucesso com ou sem o PT ou sem o PT nunca teria chegado onde chegou? Na medida em que grande parte da aprovação do seu governo se deve à empatia com a personalidade de Lula, a resposta certa seria que o PT é dispensável, ou foi irrelevante, para o seu sucesso.
A questão seria acadêmica – como, aliás, a do ovo e da galinha – se a relação entre Lula e o PT e como suas vidas se entrelaçam não fossem a especulação política do momento. A decisão de Lula de abraçar, literal e metaforicamente, Sarneys e Collors para garantir sua base de apoio forçou o partido a revisões de consciência e ginástica retórica, duas atividades politicamente desgastantes. A tal “realpolitik” pode acabar significando “suicídio político” em brasileiro, ou, se der certo, outra prova que Lula e o PT só são ligados – como, aliás, o ovo e a galinha – por uma conveniência passageira.
1609, O ANO QUE NÃO ACONTECEU
Há exatos 400 anos Galileu Galilei apresentou ao senado veneziano um instrumento para olhar as estrelas e estudar os mistérios do Universo. Ele não foi o inventor do telescópio. Um holandês e um inglês tiveram a mesma ideia, só não tiveram o mesmo tino de Galileu, que convenceu seus patrocinadores da importância do seu instrumento numa guerra. No mesmo ano de 1609 Johannes Kepler publicou a sua lei da moção dos astros.
Galileu e Kepler inauguraram a astronomia moderna, contrariando as teorias oficiais, sacramentadas pela Igreja, que tinham sobrevivido à revelação de Copérnico, 70 anos antes, de que a Terra não era o centro do Universo. Desde então, é difícil dizer o que impressiona mais: os avanços havidos na exploração do espaço desde Galileu e Kepler ou a resistência das pessoas não a Galileu e Kepler mas a Copérnico. Vivemos, em grande parte, num Universo em que nem Copérnico nem o ano de 1609 existiram. Afinal, quem quer saber que não passamos de um planeta menor girando em torno de uma estrela entre trilhões – e ainda tendo que aguentar a política brasileira?

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