domingo, maio 31, 2009

ELIO GASPARI

A previdência privada precisa da luz do dia

O GLOBO - 31/05/09


Rentabilidade de 12% ao ano é propaganda enganosa. Se fosse verdade, Wall Street teria se mudado para o Brasil



A REPÓRTER Samantha Lima deu o aviso: o benfazejo declínio das taxas de juros provocará uma queda no rendimento dos planos de previdência privada. Em alguns tipos de contratos os bancos deverão ficar com a conta. Em outros, os clientes pagarão mais ou receberão menos. Em qualquer situação, fingir que o problema não existe será o caminho para um desastre.
Numa simulação instrutiva, uma pessoa que aderiu a um plano de previdência em 2005, aos 30 anos, depositando R$ 200 mensais, podia esperar que aos 60 teria um patrimônio de R$ 539 mil, rendendo R$ 2.697 a cada mês. Essa era a equação oferecida quando a Bolsa Copom estava em 12%.
Se algum dia os juros caírem para 6% ao ano, o mesmo tipo de cidadão, depositando os mesmos R$ 200 mensais durante 30 anos, formará um patrimônio de R$ 120 mil, de onde sairá uma renda tipo INSS, de R$ 603.
É provável que o Brasil tenha sido o único país do mundo onde se venderam planos de previdência privada com a ilusão de rendimentos indexados. Em alguns casos, inclusive nos fundos estatais, ofereceu-se o IGPM mais 6%. Esse sistema só funciona num regime de juros e/ou inflação altos. Baseia-se na fantasia da criação de dinheiro por geração espontânea. Quando a inflação é baixa e os juros caem, a remuneração do investimento também cai. É o jogo jogado.
Em países verdadeiramente capitalistas, os fundos de previdência remuneram sua clientela pela qualificação de seus gestores. É a arte de investir com segurança em títulos e ações de empresas eficientes que diferencia os fundos e seus administradores. Mesmo assim, quando uma economia como a americana entra em parafuso, os fundos perdem dinheiro e seus clientes sabem que deverão esperar mais alguns anos para se aposentar. Novamente, é o jogo jogado.
Hoje há 12 milhões de contratos na rede de previdência privada aberta.
Eles formam uma poupança de R$ 148 bilhões e juntam dois tipos de investidores. Numa parte estão contratos em que a empresa se comprometeu com uma rentabilidade anual mínima de suas reservas. Quem ofereceu IGPM mais 6% terá que honrar a palavra. Em outros, como na simulação aí de cima, as mensalidades e os benefícios flutuam, frustrando expectativas baseadas em ilusões.
A normalização dos juros não é um problema, é uma solução. Uma economia com Selic baixa incentiva os investimentos que criam empregos e produzem renda. Essa solução só virará encrenca se o governo e a banca fingirem que os juros baixos não devem influenciar o desempenho dos fundos de previdência.
Lamentavelmente, por causa do hábito de varrer a realidade para baixo do tapete, o mercado de previdência privada brasileiro entra em colapso a cada 20 anos. Assim foi nos anos 60, na crise dos montepios, e assim foi nos 80, quando os planos econômicos e a inflação corroeram o valor do contratos. Nos dois casos, quem captou engordou e quem poupou emagreceu.
Quem tem plano de previdência, ou quem quer comprar um, precisa defender seu patrimônio. Dinheiro não gosta de quem não cuida dele. Há dois cuidados disponíveis. Se o plano cobra uma taxa de administração acima da média de 3% (que já é alta), deve-se sentir o cheiro de queimado. Gracinha: se o rendimento ficar em 6% brutos, a banca morde a metade.
Qualquer operador que ofereça planos atrelados a indexadores deverá avisar que o vento muda de direção. (Isso fazendo de conta que o governo não manipula os índices.)
Há bancos oferecendo simulações com opções de rentabilidade de até 12% ao ano. É propaganda enganosa, até mesmo porque logo adiante os doutores dizem que essa percentagem não é garantida. Claro que não é.
Se fosse, Wall Street já teria se mudado para a avenida Paulista.
O mercado nacional de previdência privada está sólido, mas a oferta de remuneração atrelada a indexações funciona como um narcótico ao tempo dos juros altos e vira veneno quando a situação se normaliza.

ALOIZIO REX
O doutor Aloizio Mercadante está a um passo de uma proeza: legitimar a liderança de Renan Calheiros sobre uma banda do Senado.

RECORDAR É VIVER
Tratando da lambança ocorrida com livros didáticos no governo de São Paulo, seu secretário de Educação, Paulo Renato Souza, condenou o método de escolha das obras e mostrou quão boa é a opinião que tem de si próprio: "Quando eu estava no MEC nós nomeamos uma comissão formal para a escolha dos livros para as crianças". Faltou dizer que quando o doutor estava no MEC, com comissão e tudo, foi incluído no Programa Nacional do Livro Didático, para os alunos da 5ª e 8ª séries, um compêndio de história que qualificava Mao Tse-tung como "grande estadista e comandante militar". A Revolução Cultural que assolou o país entre 1966 e 1976 teria sido "uma experiência socialista muito original". No barato, a originalidade custou 1 milhão de vidas. O filho de Deng Xiao Ping, que viria a consertar o estrago de Mao, foi atirado do terceiro andar de um prédio da Universidade de Pequim. O primeiro hospital a que foi levado negou-lhe tratamento. Ele ficou paraplégico, está vivo e participou da organização da Olimpíada. Os sábios do tucanato recomendaram a obra em 2002 e o comissariado petista confirmou a escolha em 2005, mas cassou-a dois anos depois.

SINCERIDADE
De um grão-tucano paulista defendendo o voto de lista numa conversa paralela às negociações que resultaram na mumificação da proposta: "Eu não aguento mais pedir voto".

DEDO AMERICANO
Veio do FBI o sopro que resultou na prisão de um libanês residente no Brasil, casado com brasileira e pai de uma filha brasileira. Os comissários americanos precisam produzir um papel que formalize as acusações contra K., que teria ligações com a Al Qaeda.
Estranho episódio, porque o FBI e a polícia brasileira sabem trabalhar em silêncio. Em 2001, dois agentes americanos baixaram no Rio atrás de três originais do pintor Norman Rockwell, o gênio do realismo capitalista. As obras valiam US$ 1 milhão, haviam sido roubadas em 1978 numa galeria de Minneapolis e um mercador brasileiro tentava vendê-las a colecionadores americanos. Depois de uma conversa com os agentes do FBI, o marchand José Maria Carneiro foi à sua casa de Teresópolis, desengavetou os quadros e devolveu-os. Tudo dentro da lei, mas sem barulho. Passados oito anos, é o FBI quem conta o caso.

FICOU DIFÍCIL
A derrota da candidatura de Ellen Gracie para uma toga da OMC reduziu a possibilidade de o chanceler Celso Amorim disputar, mesmo discretamente, um cargo na burocracia internacional a partir de 2010.

COISA DE POBRE
Diante da gastança com mordomias do Judiciário, duas vinhetas de uma Corte inexpressiva, de um país miserável:
O juiz David Souter, que decidiu deixar a Suprema Corte dos Estados Unidos, dirige seu próprio Passat. Quando Souter chegou a Washington foi procurar apartamento para morar (à sua custa). Ao preencher a papelada, não sabia quanto ganhava no último emprego, nem no novo (US$ 10 mil por mês). Outro juiz da Corte, Henry Blackmun, chegava para o serviço dirigindo um fusca.

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