domingo, abril 26, 2009

CARLOS EDUARDO NOVAES

Torcidas unidas jamais...

JORNAL DO BRASIL - 26/04/09

Já reparou que é cada vez maior o numero de casais formados por botafoguenses e flamenguistas que conseguem se amar acima das paixões clubísticas? Os antropólogos atribuem o fato à quantidade de vezes que Botafogo e Flamengo vêm se enfrentando em decisões ao longo dos últimos anos. As torcidas vão ficando íntimas. A partir de 2007 nunca nasceu tanto mênfogo, que é o cruzamento de alvinegros com rubro-negros. Testes de laboratório afirmam ser esta a melhor combinação entre cromossomos para depurar o sangue do torcedor. A pior é a que gera flascos!

Alan, meu sobrinho quarentão saiu nas folhas semana passada com a camisa do Botafogo abraçado à sua namorada rubro-negra, ilustrando uma dessas reportagens sobre a coexistência pacífica entre casais que torcem por times diferentes. Nem sempre, porém, tal convivência foi possível. Ao ver a foto de Alan com a moça – meio encoberta – lembrei-me da decisão entre Flamengo e Botafogo em 1989. Pedi ao meu sobrinho para levar a filha de um amigo, rubro-negra, que estava sem companhia para ir ao estádio.

– Nem pensar! – reagiu ele. – Não vou chegar ao Maraca com uma flamenguista a tiracolo. Que que minha facção vai dizer? Ela que se vire com a urubuzada!

– Ela é linda, Alan! Culta, educada, não diz palavrão, não xinga o juiz. Você vai gostar dela! Periga até se apaixonar!

– Quem? Eu? Ficou maluco, tio? Jamais vou me interessar por uma rubro-negra. É tão impossível quanto um judeu se apaixonar por uma palestina!

Dois anos depois Alan pagou pela língua, casou-se com uma vascaína e logo se separou por incompatibilidade de gênios. Em 1992, às vésperas da partida final, apresentei Alan a Cris, a filha do amigo, em uma festinha de aniversário. Alan tratou-a com absoluta indiferença e quando a moça começou a exaltar a vitória do Flamengo no primeiro jogo ele deixou-a falando sozinha e se afastou sem sequer pedir licença.

O tempo passou, Alan juntou-se a uma botafoguense de sua torcida organizada e um ano depois se separaram por excesso de compatibilidade de gênios. Os dois concordavam em tudo e a relação caiu na vala da monotonia. Em 2007 Alan e Cris se encontraram por acaso nas cercanias do estádio. Ele me telefonou:

– Estive com a Cris, tio! Nos dois jogos da decisão! Foi a maior coincidência!

– Coincidência seria se ela torcesse pelo Vasco!

– Achei-a muito bacana. Ela nem me gozou pelos pênaltis perdidos!

Em 2008 outra decisão e lá estavam os torcedores de sempre, entre eles Alan e Cris, que voltaram a se encontrar graças ao empenho do meu sobrinho que foi procurá-la no meio da galera rubro-negra. Tinham tanta coisa para conversar (sobre o desempenho dos times durante o campeonato) que entraram no estádio com a partida iniciada. Combinaram de assistir ao segundo jogo juntos na zona neutra, mas – por sugestão de Cris – em trajes comuns, sem as camisas dos clubes.

– Estou me sentindo nu! – gemeu Alan contrariado

Ontem ao chegar de viagem liguei para o sobrinho querendo saber se era Cris quem estava com ele na foto de segunda-feira passada.

– Era a Pat, amiga da Cris que conheci numa dessas decisões, não me lembro qual... É uma rubro-negra fanática, mas que não me impede de vestir o manto do Fogão.

– Já decidiram onde vão ficar no jogo de amanhã (hoje)?

– Na torcida do Flamengo!

– E você vai com a camisa do Botafogo? – assustei-me.

– Qual o problema, tio? Esta é a sexta partida decisiva desde 2007. Já conheço todo mundo!

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