sábado, novembro 29, 2008

ANDRÉ PETRY

REVISTA VEJA

André Petry
O câncer que some

"Desde que a pesquisa foi publicada, minha caixa de e-mail estourou. São imunologistas dizendo que já desconfiavam da cura espontânea do câncer"

Acaba de sair do forno uma pesquisa sobre câncer de mama que dá o que pensar. Publicado pelo Archives of Internal Medicine, o estudo sugere que alguns cânceres de mama, mesmo agressivos e invasivos, podem simplesmente desaparecer. Sem tratamento. O corpo dá conta de eliminá-los. Os oncologistas já sabiam que alguns cânceres podem regredir sem tratamento, mas a pesquisa de agora sugere que a freqüência com que isso acontece pode ser muito maior do que se imaginava. Se isso for confirmado, terá tremendas implicações. Vai mudar a forma como encaramos um diagnóstico de câncer e a freqüência com que nos submetemos a exames de câncer.

A pesquisa acompanhou dois grupos, cada um com mais de 100 000 mulheres, durante seis anos, antes e depois da adoção da mamografia na Noruega, em 1996. Um grupo foi monitorado de 1992 a 1997 – e, portanto, só fez mamografia nos últimos dois anos. O outro, de 1996 a 2001, sempre fazendo mamografia. No grupo que fez mamografia regularmente, 1 909 mulheres foram diag-nosticadas com câncer de mama invasivo. No grupo que fez mamografia só ocasionalmente, a doen-ça apareceu num número menor, 1  564. Por que a diferença de 345 mulheres? Várias hipóteses foram examinadas (do uso de hormônio na menopausa à qualidade dos mamógrafos). Só uma parou de pé: 345 mulheres, ou um número próximo disso, podem ter tido um câncer de mama que se curou sozinho. Sumiu.

Falei por telefone com H. Gilbert Welch, um dos três médicos responsáveis pela pesquisa. Atencioso e didático, o doutor Welch não demonstrou nenhum entusiasmo por ter – quem sabe? – tocado num ponto que pode revolucionar a pesquisa sobre câncer no mundo. Ao contrário: estava sereno e cuidadoso. Fez questão de esclarecer duas coisas. A primeira é que a pesquisa é uma hipótese, não uma certeza, e, mesmo que venha a ser confirmada, provará que a cura espontânea de câncer de mama afeta uma pequena quantidade de mulheres. A segunda é que a mamografia permanece útil e recomendável. Faz bem, precisa ser feita e salva vidas.

Feitos os alertas, o doutor Welch sentiu-se autorizado a voar. "Desde que a pesquisa foi publicada, minha caixa de e-mail estourou. São imunologistas dizendo que já desconfiavam da cura espontânea do câncer." Welch é autor de um livro que questiona os exames invasivos, a febre pelo diagnóstico precoce, essa procura incessante pela célula cancerosa. Seu livro chama-se Should I Be Tested for Cancer? Maybe Not and Here’s Why (algo como "Será que devo fazer exame de câncer? Talvez não, e aqui está o porquê"). Welch diz que quem procura acha e, ao achar, acaba se preocupando com o que talvez não devesse. "Não deveríamos estar empenhados em achar todos os cânceres, mas em achar o câncer certo."

Dá o que pensar. Mas, como o "talvez" significa a diferença entre a vida e a morte, ouça seu médico, faça mamografia e siga o tratamento que for prescrito.

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