Colunista: Alex Medeiros
E-mail: alexmedeiros@interjato.com.br
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A GENEALOGIA DOS COVARDES
Segundo a mitologia cristã, originária no livrão grosso de Javé, os homens descendem de Adão, as mulheres são filhas da serpente e os covardes herdaram o código genético de Caim, o sacripanta que matou o irmão, gerando até hoje o fratricídio civil.
Minha geração, que vestiu calça comprida no segundo tempo da ditadura militar, aprendeu com a geração anterior a classificar o criminoso torturador como o maior e mais safado dos covardes. Montaigne dizia que "a covardia é a mãe da crueldade".
Não precisa filosofar muito diante da frase do filósofo francês, nem repeti-lo em ensaios, para entender que a vil genitora pariu muitos filhos, vários arquétipos de crueldade, na manjedoura irracional do gênero humano.
Hoje eu já não coloco aquele torturador dos porões de antanho na cabeça do ranking da covardia. Seus atos, por mais hediondos, continham as digitais dos autores ideológicos de tais crimes, por mais que na pele da vítima ficassem as marcas da sua própria tara.
Sim, porque o torturador é - antes de ser um covarde - um tarado, aquele que falsifica a coragem numa atitude furtiva e de prévia proteção dele mesmo. O poeta Goethe bem definiu tal tipo de covarde: aquele que só ameaça quando se acha em segurança.
Era assim o torturador pau-mandado dos ditadores. Na segurança de um covil, na proteção dos chefes e na coragem escondida num capuz, era fácil abater sua presa. Mais havia um covarde maior que o torturador, exatamente o patrocinador da covardia, o mandante do crime.
Bingo! Eis aí a terminologia correta para o maior de todos os covardes. O mandante do crime, esse termo tão comum no linguajar das delegacias e nas pautas das editorias de Polícia. É o líder disparado do ranking das podridões humanas, o rei da covardia.
O profeta Maomé, das santas escrituras e risíveis caricaturas, ensinava que "a pior forma de covardia é testar o poder na fraqueza do outro". Perfeito. Na fraqueza de caráter dos assassinos subsiste e persiste a maldade dos covardes, a falsa valentia do mentor intelectual dos crimes.
O inseto que se veste com pele e vísceras humanas, conhecido no popular como mandante do crime, não tem na essência moral a verdadeira coragem do enfrentamento frontal. Se vale de outro infeliz, um grau abaixo dele na escala periódica da covardia, para praticar o que não ousa fazer.
Como os ditadores do passado e seus asseclas de malvadezas, que determinavam aos torturadores o ato de que não tinham coragem de executar, o covardão-mandante é uma figura menor, subnutrida de ética e que se esconde nos muitos medos que lhes atormentam.
No enorme clube do primeiro de todos os covardes tem carteirinha carimbada o marido traído, o machão frouxo que entende nos chifres um problema maior do que seus deslizes morais e sociais. O chifrudo que manda matar um pé-de-lã é também o mais ridículo dos covardes.
No desespero de manter incólume sua pseudo-honra masculina, imagina que sua condição de corno não atingirá o estágio de fama se o pé-de-lã que usufruiu de seus lençois for enterrado antes. Acha que enterrará junto o prazer que a esposinha sentiu em outros braços.
O corno vingativo que encomenda o assassinato do rival é a essência e excrescência do covarde. Jamais encontrará coragem ou hombridade para ficar frente a frente com aquele que, por ventura, tantas vezes encarou (de frente e de costas) a razão do seu raivoso e doentio ciúme.
Tal tipo de zé mané sofre por antecipação ao imaginar fitar nos olhos quem lhe arrebatou a maior de todas as conquistas. Mais fácil para sua covardia é terceirizar a histeria sileciosa. E então goza na bala dos outros a ira covarde dos que por não saber gozar foi trocado à revelia.
Voltando à literatura de Javé, foi Jesus quem decretou bem-aventurados os mansos, pois eles herdarão a Terra. Já esse escriba, farto da maldade humana, declara que aventurados sejam os cornos mansos, e que os cornos vingativos herdem as galhadas do inferno. (AM)
publicado no Jornal de Hoje
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