sábado, abril 25, 2020

Moro! O Marreco fez strike! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 25/04

O Bozo deve ter tomado umas três caixas de cloroquina!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Quarentena: o povo daqui de casa tá achando que sou uma estrela cadente, não pode me ver que já faz um pedido. Arruma isso, arruma aquilo! Rarará!

Nunca imaginei um dia entrar no banco de máscara para sacar dinheiro e ainda ser cumprimentado pelo guarda! Rarará!

E o Moro! O Marreco não fez QUACK, fez um STRIKE! O Bozo deve ter tomado umas três caixas de cloroquina! E os meninos desorientados! Rarará!

Breaking News! 1) Para blindar os filhos, Bolsonaro exonera o diretor da PF. 2) Para manter o acordo com os corruptos do centrão, Bolsonaro exonera o diretor da PF! 3) Thiago Souza: “Três são os motivos para exoneração do diretor da PF: Flávio, Eduardo e Carluxo”!

E o Moro passou dois anos fazendo cara de paisagem, de natureza-morta! O Marreco engoliu muito sapo! E esse é o ministério pé de manga! A gente só fica ouvindo as mangas caindo. BUM! BUM! BUM! O próximo BUM é o Guedes. O BUM da Economia. Rarará!

E os novos apelidos do Zumbi da Saúde: Corpo Seco, Manequim de Funerária e Cocheiro do Drácula! Rarará. Ele não parece o Mick Jagger. Parece o SICK JAGGER! Ministro da Doença! Um ventríloquo, não sabe nada e não manda nada. Não serve nem pra abajur! Só de repelente! Rarará!

E esta: “Motéis continuam firmes na pandemia e aceitam aglomeração”. Surubavírus. Convid-19. E os motéis continuam abertos porque são do ramo de comida. Rarará!

E o time que luta contra a corrupção ganha um reforço: Roberto Jefferson! E o MDB é o partido mais quenga que existe desde os tempos de Salomé! Máfia Do Brasil. Monte De Bosta!

E avisa o Doria que o dia que abrir shopping em São Paulo vai ser o estouro da boiada. Todo mundo ávido pra comprar o que não precisa! Brasileiro é como banana, gosta de andar em penca. Rarará!

E vai ter tanto divórcio depois da quarentena. Vinte e quatro horas juntos não é todo o amor que resiste. “Tira o lixo pra fora.” “Tira você!” “Você engordou!” ” Seu cabelo tá uma palha!” E a briga pelo controle remoto! Um quer ver “A Máfia dos Tigres”, outro quer ver “Irmãos à Obra”! E se um dos conjes tem TOC? “Se você mudar isso de lugar eu peço o divórcio!”

E adorei a quarentena do site Pronto Postei: “Estou em cruzeiro: cruzo a sala, cruzo a cozinha, cruzo pro quarto”. Rarará! E não se esqueçam: o vírus é comunista! Rarará!!

Nós sofre, mas nós goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

Uma fábula de nosso tempo - IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO

ESTADÃO - 25/04

Tipo detestável, o pior do Carmelo é que tudo que ele afirmava hoje, negava amanhã


Quando criança, havia um tipo detestável no meu bairro. Carmelo. Sujeito desagradável, prepotente. Como era forte, as pessoas o evitavam, mas ele se metia em tudo e chefiava um bando, ajudado por seus primos Energúmeno, Carlota e Fifuca. Carmelo era maldoso, andava com o nariz escorrendo e, quando você estava na sorveteria, ele, de propósito, chegava e tossia ou espirrava em cima do seu sorvete. Bagunceiro, rebelde, tinha sido expulso de todas as escolas e se vangloriava. Onde Carmelo estava, ali estavam seus primos, conhecidos como turminha do ódio. Muitas vezes, os quatro agarravam um moleque franzino, levavam para um terreno baldio e passavam horas a machucá-lo com tabefes e socos. Ou pegando galhos de roseira cheios de espinhos e laceravam a pele do infeliz. Quem orientava as maldades era um garoto de nome estranho, Lustro (ele odiava quando diziam Lustre), que vivia a maltratar os outros. Adiantava reclamar?

O pior do Carmelo é que tudo que ele afirmava hoje, negava amanhã. Se dissesse besteira de manhã, negava à tarde. Dizia e desdizia. Logo, teve um apelido que permaneceu por largo tempo: “Carmelo obra para trás”. A palavra não era exatamente obrar, vocês devem conhecer a verdadeira. É que gente educada não usava o sinônimo vulgar de evacuar. Defecar também era feio. Diziam obrar, para não ofender. Obrar, ato que todos praticam por necessidade fisiológica, era um eufemismo, aprendemos com o Jurandir, professor de português.

O outro termo que começava com C não era suave nem poético nem elegante. Na vida, devíamos usar palavras amenas para definir pessoas, mesmo que elas fossem péssimas, maus-caracteres, mal-educadas, grosseiras. Assim, quando o Carmelo afirmava e não confirmava, ele estava obrando para trás. Obrava para trás o tempo inteiro e ria disso. Evacuando para trás. Ou seja, não se podia confiar nele. Traduzia-se: fala e não sustenta, portanto a palavra dele equivalia a matéria fecal.

Havia outra definição para gente como Carmelo. Quem dizia e não sustentava, também era conhecido como frouxo, fresco, maricas, fronha ou fruta. Ou molenga, sujeito sem-palavra. Minha mãe, mulher piedosa e boa, tinha uma frase que ainda costumo usar para definir certas pessoas. “O Carmelo falar e um burro obrar, para mim é igual.” Os antigos sabiam das coisas. Havia educação e bons modos.

Como era forte, Carmelo não era desafiado para nada. Ninguém dizia essas coisas na frente dele. Era violento. Quando alguém comentava: mas ontem você disse outra coisa, ele reagia, brutal: “Acha que sou cara de pedir penico? Digo e desdigo o que eu quiser. Quem é o mais forte aqui, pô? Eu que mando, pô! Se duvidar, tiro você do bando, expulso, você não vai mais poder andar pela rua, comunistinha de merda, pô! Isso, posso te demitir”. A gente era pequeno, não tinha ideia do que significava demitir, mas devia ser coisa ruim, dita pelo Carmelo.

Comunistinha? Naqueles anos 40, nunca tínhamos ouvido aquela palavra. Quem sabia? Perguntamos ao Zé da Pinga, que ficava sentado na soleira do bar do Tito Tobias, e ele, amicíssimo do Carmelo, respondia com palavrões e mandava a gente perguntar para as éguas lazarentas que eram nossas mães. Aliás, a turminha do Carmelo gostava de xingar as mães da gente e tínhamos de ficar quietos. Somente décadas mais tarde soube o que era comunista. Parece que eram antropófagos, que comiam criancinhas, que horror.

Cresci, mudei de bairro, esqueci Carmelo, vim para São Paulo, fiz minha vida, família, o normal. Dia desses, ao voltar à minha cidadezinha, passei por um boteco malacafento e achei que conhecia o velho, de bermudão, sandálias semiapodrecidas e camiseta furada de um time da 20.ª Divisão do Brasileirão, que tomava rabo de galo. É o Carmelo, revelou o dono do bar. Lembra-se? O que evacua para trás? Continua igual, foi expulso do Tiro de Guerra, nunca deu certo na vida. Passa o dia sentado a esbravejar. Ninguém mais ouve nem fica perto. Morador de rua, não toma banho, cheira mal, garante que vai ser prefeito. Ao ouvir isso, Carmelo gritou lá de sua mesa, tossindo muito e, coisa nojenta, escarrando no chão: “Claro que vou, pô! Essa política velha é do satanás, disse meu pastor, vou mudar tudo na cidade, pô!”.

O discurso do cadafalso - ASCÂNIO SELEME

O GLOBO - 25/04

Bolsonaro usou argumentos absurdos para tentar desmontar a denúncia do ex-ministro Sergio Moro de que a demissão do diretor-geral da PF serviria para poder controlar investigações



Rodeado por todos os seus ministros, para demonstrar uma força que ele já não tem, o presidente Bolsonaro usou argumentos absurdos para tentar desmontar a denúncia do ex-ministro Sergio Moro de que a demissão do diretor-geral da PF serviria para poder controlar investigações em curso na instituição e que podem chegar aos seus filhos e ao seu gabinete. Foi patética a afirmação de que demitiu o diretor-geral da Polícia Federal porque ele estava cansado. Maurício Valeixo estava cansado, sim, mas da pressão de Bolsonaro. Argumentou também que a PF não investigou “quem mandou matar Bolsonaro”. Oras, já foi esclarecido que Adélio Bispo é um lunático. Por fim, e mais importante, afirmou que Moro disse topar a demissão de Valeixo, mas apenas depois de ser nomeado para o Supremo.

Alguém acredita nessa história? Só os mais fanáticos defensores de Bolsonaro acreditarão que um ministro como Moro enfrentaria o presidente e faria uma barganha dessa natureza e de forma aberta, direta, por uma vaga no STF. Moro disse que Bolsonaro demitiu o chefe da PF, acarretando por consequência sua própria saída, para poder interferir em processos determinados pelo Supremo para investigar as fake news e os responsáveis pelas convocações dos atos antidemocráticos que pediram a intervenção militar e o fechamento do STF e do Congresso. Bolsonaro participou de dois desses atos, um na porta da Palácio do Planalto, no dia 15 de março, e outro no domingo passado, em frente ao QG do Exército.

Como se não bastassem todas as barbaridades que Bolsonaro vem cometendo seguidamente, como participar desses atos e pregar contra o isolamento social, a demissão de ontem foi um ataque direto às investigações em curso. Você já ouviu e leu isso antes, mas vale repetir o que disse Moro sobre esse episódio. “O presidente mostrou preocupação com inquéritos no STF e a troca (na PF) seria oportuna por esta razão”. Todos sabem quem está por trás dos crimes sob análise, só faltam a provas que a polícia está buscando.

Bolsonaro vem derretendo diante dos seus eleitores desde o dia da sua posse. Com a fala de Moro, o presidente passou a contar apenas com os membros da manada cega que o acompanha, aqueles que fazem manifestações radicais e os que vão para a porta do Alvorada tirar selfie com o presidente. Os que votaram nele imaginando estar varrendo a corrupção do país são os mais humilhados com a demissão de Moro e de Maurício Valeixo. O que sobrou foi um governo ultradireitista construído por Olavo Carvalho nas cabeças desabitadas dos três zeros da família Bolsonaro e do próprio patriarca.

No Ministério, uma adestrada tropa de macaquinhos de circo mantém-se disposta a incensar o chefe custe o que custar. Fora alguns bons nomes concretamente comprometidos com suas pastas, há ministros desmiolados na Esplanada para dar com o pau. Nunca é demais citar Weintraub, Wajngarten, Salles, Araújo e Damares. Mas, aos poucos, a estes vão se juntando outros bobalhões da corte, como Onyx Lorenzoni. A imagem da fala de Bolsonaro, com os ministros perfilados atrás, mostra um grupo indignado, como se o chefe houvesse sido agredido, e outro visivelmente constrangido. Aliás, o que mesmo fazia ali o ministro da Saúde?

No Congresso, de quem Bolsonaro procura se aproximar pelo lado da banda podre, não há qualquer chance de reconciliação. Orientado pelos militares de seu governo, que ainda tentam encontrar saídas institucionais para as crises por ele geradas, o presidente foi procurar os políticos. E, para a estupefação dos seus generais, começou por Valdemar da Costa Neto, Ciro Nogueira e Roberto Jefferson. Pode? Pode e foi feito. E claro que para esses uma PF amiga ajuda muito. Bolsonaro colocou enfim a cereja que faltava sobre o bolo de humilhação que impôs à absoluta maioria dos seus eleitores.

O que se viu ontem foi o mais claro sinal para o impeachment do presidente. Em qualquer conversa que se mantivesse até aqui, quando o assunto eram os crimes cometidos por Bolsonaro que ensejariam a abertura do processo, dizia-se que era cedo e que o processo não poderia caminhar num ambiente de epidemia grave como a que atravessamos. Bolsonaro conseguiu ontem queimar também esta ponte de tempo que havia entre ele e o seu futuro. Um processo não deve apenas andar, mas pode ser célere, pelo modo fast-track. Se a Câmara quiser, em dois meses Bolsonaro será passado e o país voltará a respirar sem a ajuda de ventiladores.

Eu, caçador de mim

Os dois maiores programas de retomada do crescimento lançados no Brasil nos últimos 20 anos, o Avança Brasil de Fernando Henrique e o PAC de Lula, com seus erros e acertos (mais erros, é verdade) foram elaborados ao longo de meses. Uma equipe multitarefa trabalhou durante quase um ano e meiob para erguer o Avança Brasil.

O PAC foi negociado com setores da sociedade civil por pelo menos seis meses. Os ex-ministros Guido Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil) consultaram o Congresso e o Supremo, visitaram instituições públicas e privadas, foram a sindicatos de patrões e de empregados, percorreram redações vendendo o projeto antes de apresentá-lo formalmente.

O Programa Pró-Brasil do governo Bolsonaro para recuperar a economia após a pandemia, anunciado na quarta-feira, foi imaginado 48 horas antes. Nenhum detalhe foi oferecido, nenhum dado, nenhuma métrica. Apenas seu almejado resultado de gerar um milhão de empregos foi anunciado com pompa.

Era mais um atentado de Jair Bolsonaro contra o seu governo. E o alvo o seu ministro da Economia, que não foi ouvido.

Deixa prá lá

Enviado do senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI) ligou para um grande executivo paulista do setor de logística para pedir a indicação de um nome para presidir a Companhia Docas do Estado de São Paulo, que administra o Porto de Santos. A empresa foi oferecida por Bolsonaro a Ciro em troca de apoio político. O executivo respondeu a consulta dizendo que tinha, sim, “mas é gente séria”. O interlocutor então agradeceu, desligou o telefone e desapareceu.

Ato falho

Nada como um bom ato falho para mostrar a verdadeira alma das pessoas. No discurso que fez no dia seguinte ao ato no QG, Jair Bolsonaro reclamou quando um dos bajuladores de plantão no Alvorada pediu o fechamento do Congresso. “Aqui, não, na minha casa, não”, reagiu como se fosse um democrata. Um pouco depois, o cachimbo torto mostrou a boca que frequenta, o presidente avisou que o país vai bem institucionalmente: “(Esta é) uma nação que ainda está na sua normalidade”. Ainda, presidente?

Um dia depois do outro

No já longínquo dia 2 de abril, o presidente do Brasil disse a seguinte frase para justificar sua campanha contra o isolamento: “Eu desconheço algum hospital que esteja lotado. Muito pelo contrário. Tem um hospital no Rio de Janeiro, um tal de Gazolla, que tem 200 leitos e só 12 estão ocupados”. Não se sabe de onde Bolsonaro tirou aqueles números. Hoje, apenas um dos 269 leitos do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla está disponível. E não é de UTI. No Rio, a lista de espera para um leito de atendimento intensivo tem mais de 300 pacientes.

A Constituição sou eu

Ninguém foi mais ofendido do que o ex-deputado Ulysses Guimarães com a declaração de Bolsonaro. O presidente da Constituinte de 1988 não merecia um desaforo desse tamanho 18 anos depois da sua morte. A Constituição é Ulysses.

Médicos cubanos
Pergunta de um leitor:

“Os médicos cubanos que Bolsonaro expulsou do Brasil seriam úteis hoje?”

Eu vou, eu vou

A Polícia Militar de Belo Horizonte está percorrendo as favelas da cidade tentando fazer com que as pessoas saiam das ruas e voltem para suas casas. A buzina dos carros da PM foi equipada com a batida da música dos Sete Anões: “Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou”.

E aos que continuam sem se mexer, os soldados mandam recados bem-humorados pelos alto-falantes das viaturas. “Vai pra casa, Zangado”. “Recolha-se, Soneca”. Melhor do que sair distribuindo porrada.

Um grande brasileiro

Quer conhecer melhor um grande brasileiro? Tem duas formas e estão disponíveis na Netflix e na HBO. Trata-se de um documentário e de um filme sobre Sergio Vieira de Mello, ex-funcionário da ONU e uma vez Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. O documentário é minucioso e mostra o diplomata em ação em todos os países onde atuou, até a sua morte num atentado ao QG da ONU em Bagdá. O filme, estrelado por Wagner Moura e a cubana Ana de Armas, conta a mesma história de modo romanceado. Difícil dizer qual é o melhor.

O ‘cavalo de pau’ do populismo do governo Bolsonaro - CARLOS PEREIRA

O Estado de S.Paulo - 25/04

Se Bolsonaro sobreviver ao crivo das instituições de controle, terá de também apelar para a população de baixa renda, até então negligenciada


Presidentes minoritários que se recusam a construir coalizões em ambiente multipartidário percebem, cedo ou tarde, que os custos dessa estratégia se tornam proibitivos.
No início do mandato, inebriam-se de sua popularidade alcançada com a vitória eleitoral. Em vez de construírem pontes com os partidos e canais institucionais de representação política, preferem desenvolver conexões diretas e polarizadas com núcleo duro de seus eleitores, numa espécie de campanha perpétua típica de populismos.

Embora no curto prazo essa estratégia possa ser bem-sucedida, ela é muito arriscada, pois tende a desgastar as relações do presidente com os outros Poderes. Ao primeiro sinal de fragilidade do presidente, legisladores tendem a dar o troco, e este pode custar a própria sobrevivência do governo.

Mesmo desgastado, o presidente Bolsonaro vinha sendo capaz de obter apoio político de uma parcela da população. Entretanto, ao dar ênfase aos impactos negativos do isolamento social na economia e, ao mesmo tempo, minimizar os riscos de contágio e gravidade da pandemia, até eleitores congruentes com seu governo decidiram abandoná-lo.

Ao perceber que investigações sobre os organizadores de ato público contra as instituições democráticas poderiam comprometer pessoas do seu governo e familiares, decidiu demitir o diretor da Polícia Federal, batendo assim de frente com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, salvaguarda moral do seu governo.

As acusações de Moro apontam para potenciais crimes de responsabilidade. Como tentativa desesperada de proteção, procurará construir, mesmo que de forma tardia e talvez não tão republicana, coalizão no Congresso para evitar um impeachment. Por outro lado, sem Moro, a perspectiva é que uma parcela ainda maior de eleitores, especialmente os que acreditam no combate à corrupção, deixe de apoiar o governo.

Portanto, se Bolsonaro sobreviver ao crivo das instituições de controle, cenário cada vez menos provável, terá de também apelar para a população de baixa renda, até então negligenciada, para ter alguma base social. As transferências emergenciais de recursos por conta da pandemia podem ter criado oportunidade para o “cavalo de pau” do populismo de Bolsonaro.

Professor titular da FGV-EBAPE do Rio de Janeiro

O presidente está nu - OSCAR VILHENA VIEIRA

Folha de S. Paulo - 25/04

Com a denúncia de Moro, cresce o clamor pelo impeachment do presidente


Foi surpreendente ver milhões de brasileiros acreditarem que Jair Bolsonaro seria a encarnação da ordem, do interesse nacional e da luta contra a corrupção.

Sua Presidência, como era de se esperar, tem se esmerado em produzir anarquia, obscurantismo e um ataque sistemático às instituições do Estado democrático de Direito, além, é claro, de uma defesa intransigente dos interesses de seu clã.

Em seu discurso de despedida, Sergio Moro —que endossou a ascensão de Bolsonaro ao poder ao aceitar ser seu ministro da Justiça— acusou o presidente da República de estar alterando o comando da Polícia Federal por motivos políticos, relacionados ao seu interesse e de seus filhos na condução de investigações e processos pendentes no Supremo Tribunal Federal.

A denúncia de Moro apenas confirma a percepção de que o governo vem aparelhando as instituições de Estado e enfraquecendo os mecanismos de participação e controle, com o objetivo de se livrar dos limites constitucionais impostos a todos aqueles que exercem o poder numa democracia.

Mais do que isso, indica a intenção do presidente de ampliar o controle autoritário sobre a sociedade por intermédio do sistema de inteligência.

Não terá sido a primeira vez que Bolsonaro incorreu nas hipóteses de crimes de responsabilidade descritas pelo artigo 85 da Constituição Federal.

Persistentes têm sido seus ataques aos direitos fundamentais, inclusive o direito à saúde e à vida na condução da pandemia do novo coronavírus, e aos demais poderes, que poderiam também ser configurados como crimes de responsabilidade.

Como aprendemos ao longo das últimas décadas, o impeachment transformou-se no Brasil numa ferramenta predominantemente política. Infelizmente, graças à amplitude de nossa lei de responsabilidade, configurar um crime de responsabilidade não é uma tarefa difícil.

A questão fundamental tem sido julgar a sua viabilidade e, sobretudo, as suas consequências políticas.

Com a denúncia de Moro, nesta sexta-feira (24), o clamor pelo afastamento do presidente, seja pela renúncia ou pelo impeachment, angariou novos adeptos, agora também à direita. Inclusive entre aqueles que veem nessa crise uma oportunidade para colocar um general na cadeira de presidente, sem a necessidade de um golpe.

Até este momento, mesmo alguns setores profundamente críticos a Bolsonaro vinham se demonstrando reticentes em provocar um processo de impeachment, seja pelo risco de o tiro sair pela culatra, como no caso de Trump, seja pelas suas consequências para a estabilidade democrática, inclusive os riscos de um autogolpe.

O fato, porém, é que a discussão sobre o impeachment ganhou uma nova dinâmica a partir das denúncias de Moro.

Quando se cruza uma linha fundamental, que coloca em risco a integridade da República de forma tão clara, a obrigação de agir vai se tornando mais imperiosa e comprimindo as ponderações legítimas de conveniência e oportunidade política.

A acusação realizada por Sergio Moro confirma a propensão de populistas autoritários de não pouparem esforços para subverter o Estado de Direito, para capturar suas instituições de aplicação da lei e para violar tudo aquilo que é mais sagrado num regime democrático.

Como se não bastassem os inúmeros desafios impostos pelo combate ao coronavírus, que vem ceifando a vida de milhares de brasileiros, seremos obrigados, neste momento, a nos debruçar sobre essa nova crise governamental, com desfecho imprevisível.

É passada a hora de uma frente ampla para estabilizar nossa democracia.

Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

Bolsonaro põe na Polícia Federal um "delegado de família". Da sua família! - REINALDO AZEVEDO

UOL - 25/04

O presidente Jair Bolsonaro pôs no comando da Polícia Federal o delegado Alexandre Ramagem Rodrigues, que comandou a sua segurança pessoal depois da facada. Ramagem estava na chefia da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) — subordinada ao Gabinete da Segurança Institucional (GSI), cujo titular é o general Augusto Heleno — desde maio do ano passado.

O delegado nunca foi homem de confiança do general. Sempre se reportou diretamente ao presidente e, atenção!, é também o escolhido dos... tchan, tchan, tchan!!! filhos do presidente!

No começo do governo, assumiu um cargo de assessor na Secretaria de Governo, então sob o comando do general Santos Cruz, que entrou na mira de Carlos Bolsonaro e da chamada "ala ideológica" do governo, sendo demitido no dia 13 de junho do ano passado.

Ramagem é delegado de carreira, mas nunca foi considerado um quadro da elite, pronto a chegar ao topo. Não precisa. Se o presidente e os filhos querem, então assim será...

O "Jornal Nacional" exibiu troca de mensagens entre o ex-ministro Sergio Moro e a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) em que esta pede a ele que aceite o nome de "Ramage" (sic). Ainda voltarei a essas mensagens.

Segundo as acusações de Moro, Bolsonaro estaria especialmente preocupado com duas investigações que estão no STF que apuram, respectivamente, a indústria de fake news contra o Supremo e a organização de atos em favor do fechamento do Congresso e do Supremo.

A segunda investigação, diga-se, foi aberta a pedido do procurador-geral da República. A petição só foi feita pela PGR e enviada ao STF porque envolve deputados federais, que têm foro especial por prerrogativa de função. Zambelli está entre os parlamentares que apoiaram os atos golpistas.

Não é preciso ser um especialista em juntar lé com lé e cré com cré para intuir que tanto Bolsonaro como a própria Zambelli querem ter no comando da Polícia Federal alguém, vamos dizer, "de confiança" — uma pessoa, como afirmou Bolsonaro em seu samba-do-presidente-doido, com quem ele possa "conversar".

De todo modo, o ministro Alexandre de Moraes, relator das duas investigações, já aplicou uma vacina, a título preventivo, para tentar impedir eventual interferência indevida na investigação. Voltarei ao tema em outro post.

O QUE VAI FAZER?

Não é fácil um delegado-geral interferir em investigações se o titular do inquérito não quiser. Sempre pode haver uma remoção, claro! Mas aí o jogo começa a ficar pesado demais. Vamos ver. Ramagem já era uma espécie de interventor da família Bolsonaro na Abin. A sua chegada marcou o que se considerou uma mudança de prática na agência.

Em vez de ações de inteligência em benefício da segurança do Estado — tanto as democracias como as ditaduras dispõem desse serviço; o que varia é o conteúdo ético das ações, né? —, a Abin passou a privilegiar apurações de curtíssimo prazo sobre boatarias que se espalham nas redes sociais e que têm como alvos os... Bolsonaros! Profissionais de Estado se tornaram uma espécie de fornecedores de relatórios para instruir o chamado Gabinete do Ódio.

Hoje, na Abin, "o Estado são os Bolsonaros". É o que o presidente quer também na PF. Praticamente confessou isso.

Plano Marshall? - MARCOS MENDES

FOLHA DE SP - 25/04

Fórmula parece não diferir da política instituída em 2010, que levou país à queda de 7%


O governo anunciou um “Plano Marshall” para recuperar a economia após a pandemia.

O Plano Marshall é visto como uma bem-sucedida injeção de dinheiro público na reconstrução da infraestrutura da Europa após a 2ª Guerra Mundial, que teria aberto as portas para mais de duas décadas de crescimento acelerado.

O primeiro esboço do plano brasileiro aponta para aumento do investimento público, isentando projetos prioritários do teto de gastos. Há sugestão de pular etapas do processo de planejamento para os investimentos saírem mais rápido. Serão colhidas opiniões de empresários sobre os incentivos a setores considerados prioritários.

Essa fórmula parece não diferir da política instituída a partir de 2010, que levou o país à queda de 7% no PIB entre 2014 e 2016. O que se viu foi investimento público malfeito, com base em projetos apressados, queda de produtividade e disparada da dívida pública.

Naquela ocasião, estávamos em melhor forma fiscal, colhíamos os benefícios do boom de commodities, e a economia mundial estava em crescimento. Será que daria certo agora, em condições mais adversas?

Não só o diagnóstico que embasa a proposta parece equivocado. Também inadequada é a sua comparação com o Plano Marshall.

Esse plano representou uma injeção de dinheiro dos EUA nos países da Europa. Que país seria o patrono do Brasil?

Nós, mesmos, é que vamos financiar os projetos? Mas vamos sair da pandemia com a dívida e o déficit do governo em 90% e 8% do PIB, respectivamente!

Não contabilizar os investimentos no limite de gastos não significa que eles não vão aumentar a dívida. Haverá, isso sim, descrédito dos indicadores fiscais. Outro problema da fracassada tentativa recente.
Pressionar ainda mais o Tesouro provocará fuga de capital e aumento do custo de financiamento da dívida, travando a retomada do crescimento.

J. Bradford de Long e Barry Eichengreen mostram que a real importância do Plano Marshall foi ter funcionado como um atrativo oferecido pelos EUA para induzir a Europa Ocidental a retornar para a economia de mercado.

Durante a guerra, os governos se acostumaram a políticas intervencionistas. Havia o temor de que deixar o mercado voltar a funcionar poderia gerar outra depressão, como a dos anos 1930.

O comunismo prosperava na vizinhança e induzia os políticos a manter as práticas de guerra, tais como controles de preços, racionamentos de divisas e o planejamento central.

Na Europa pós-guerra, todos os segmentos sociais queriam recuperar renda e patrimônio destruídos e pressionavam seus governos por ajudas e subvenções, levando a endividamento público e inflação.

O dinheiro dos EUA aumentou o tamanho do bolo, permitindo uma distribuição de perdas menos draconiana entre os diversos setores da sociedade. Viabilizou a estabilização macroeconômica, a construção de um novo pacto social e reformas pró-mercado.

Muito pouco foi gasto em infraestrutura. A maior parte da ajuda financiou déficit preexistente.

Ao lado da “cenoura”, a ajuda havia um “porrete”. O uso do dinheiro tinha que ser aprovado pelos americanos, que eram os gestores do plano, e o faziam com mão de ferro. A França teve seus fundos retidos enquanto não adotou uma política de equilíbrio fiscal. Da Alemanha exigiu-se o saneamento da estatal de transporte ferroviário.

Os gestores do plano também induziram a abertura econômica e a integração dos países europeus, bem como a construção de um bom ambiente de negócios. O investimento privado e a produtividade dispararam. O setor privado foi o responsável pelo sucesso econômico.

O Plano Marshall foi indutor das reformas de que o Brasil precisa. Teremos que fazê-las por iniciativa própria, sem a tutela de um interventor externo. Não será fácil desenhar um acordo social de repartição dos custos com a renda em contração. Fundamental não reincidir em erro que cometemos tão recentemente.

Marcos Mendes
Pesquisador associado do Insper, é autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?'

Bolsonaro exalta seu modelo de ministro: Weintraub - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 25/04

Depois que Bolsonaro empurrou para fora do governo Henrique Mandetta e Sergio Moro, a dupla mais popular da Esplanada, uma interrogação pisca nos letreiros de Brasília: Quem será o próximo? O presidente mostrou aos ministros sobreviventes o caminho que conduz à estabilidade no emprego na sua gestão: basta imitar Abraham Weintraub, o deseducado titular do Ministério da Educação.

"Aqui tem ministro que apanha todo dia, como o Abraham Weintraub", disse Bolsonaro, rodeado por potenciais vítimas do desapreço que passou a sentir por Sergio Moro (53% de aprovação na pasta da Justiça) e Henrique Mandetta (70% de menções ótimo ou bom no gerenciamento da crise do coronavírus). Nas palavras de Bolsonaro, Weintraub "luta contra uma doutrinação de décadas." E vem conseguindo "demonstrar que a educação no Brasil nunca esteve tão mal."

Veja bem: Bolsonaro convocou toda a equipe ministerial para testemunhar sua tentativa malsucedida de reagir às acusações de Moro. Podendo escolher como exemplo qualquer ministro da ala sensata do governo —Tereza Cristina (Agricultura), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) ou Paulo Guedes (Economia), por exemplo—, preferiu enaltecer um representante da bloco circense.

Weintraub, o preferido de Bolsonaro, especializa-se em tocar bumbo nas redes sociais e produzir encrencas. Na penúltima, criou uma briga com a China que Tereza Cristina teve de suar a blusa para reverter. O deseducado da Educação disputa o título de principal estorvo do governo com o antichanceler Ernesto Araújo e o antiambientalista Ricardo Salles.

Enquanto Weintraub, Ernesto e Salles desfrutam da estabilidade que Bolsonaro concede aos áulicos, o prestígio de Paulo Guedes sobe no telhado. A agenda liberal do ministro da Economia passou a disputar espaço com um projeto nacional-desenvolvimentista para a fase pós-vírus.

A novidade tem a aparência de uma versão chinfrim do antigo PAC, o programa de acelaração do crescimento dos governos do PT. A resposta para a pergunta lá do alto —Quem será o próximo?— depende da resolução de um outro mistério: a quem temperatura ferve o Posto Ipiranga.

Ciência como superstição - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 25/04

Fetiche da ciência serve para políticos fugirem à responsabilidade por suas decisões


Na guerra, o poder deve ser transferido aos generais? Na emergência sanitária, devemos recorrer ao 'governo dos epidemiologistas'? A resposta democrática é duas vezes 'não'


O físico Neils Bohr, um dos fundadores da teoria quântica, sabia o que não sabia. “A predição é muito difícil, especialmente sobre o futuro”, afirmou ironicamente, para explicar que a ciência cuida, essencialmente, da descrição. É útil recordar sua frase, nesses tempos em que líderes políticos —com o apoio de não poucos cientistas presunçosos— enchem a boca para dizer que suas decisões sobre a emergência sanitária fundamentam-se “na ciência”.

João Doria decidiu, “com base em ciência”, conservar regras lineares de isolamento social no estado de São Paulo, até 10 de maio. Já Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, resolveu flexibilizar as restrições no interior de seu estado —claro, “com base em ciência”. Os cenários são similares, embora não idênticos. A ciência também poderia ser invocada por cada um deles para adotar as iniciativas do outro.

O finado Mandetta justificou o isolamento social com o argumento de evitar o colapso hospitalar, um raciocínio que propicia flexibilizações em áreas de baixa pressão sobre leitos e UTIs.

O neurocientista Miguel Nicolelis, que assessora os governadores do Nordeste no mapeamento da epidemia, discorda veementemente. Segundo ele, em entrevista à TV, o isolamento social tem a finalidade muito mais ambiciosa de “evitar contágios”, o que exigiria rígidas quarentenas em todos os lugares, por período indefinido. Os dois falam —adivinhe!— em nome “da ciência”.

A ciência está na moda —o que é sempre bom, e melhor ainda nessa era de Bolsoneros, rezas coletivas para assustar o vírus, presidentes que receitam remédios, teorias conspiratórias veiculadas por ignorantes com cargo público. Contudo, o fetiche da ciência não ajuda a ciência e, sobretudo, serve como vereda para os políticos fugirem à responsabilidade por suas decisões, que são sempre políticas.

A ciência faz descrições e, no limite, formula hipóteses probabilísticas sobre o futuro. Um modelo sobre a pandemia da Universidade de Washington recomenda que nenhum estado dos EUA reabra a economia antes de maio —e que alguns deles só o façam no longínquo julho. Mas, rejeitando o fetichismo, o responsável pelo estudo disse que “se fosse um governador, certamente não tomaria decisões baseadas apenas no nosso modelo”.

O modelo da Universidade de Washington reflete, exclusivamente, uma especialidade científica: a epidemiologia. Não desapareceram, contudo, na tempestade viral, outros campos do conhecimento, como a sociologia e a economia (a “ciência sombria”, na definição de Thomas Carlyle). Essas ciências têm algo a dizer sobre os efeitos não epidemiológicos do congelamento prolongado de amplos setores da produção e do consumo.

A maior depressão mundial desde a Grande Depressão terá fortes implicações sobre a saúde pública. A ONU alerta para o risco de uma “fome de proporções bíblicas” em países pobres, como resultado da ruptura do sistema econômico. Investigações (científicas!) realizadas nos EUA indicam que o desemprego de longa duração corta a expectativa de vida em algo entre cinco e dez anos. Há mais coisas sob o sol do que o vírus.

O fundamentalismo epidemiológico (“evitar contágios”) pode ser tão desastroso quanto a negligência criminosa (“uma gripezinha”). A saída encontra-se na ciência desfetichizada —ou seja, numa visão holística da emergência sanitária.

A Alemanha, com folga no sistema de saúde, reduz paulatinamente as restrições na hora em que ainda se registram milhares de novos contágios diários. É uma decisão política, certa ou errada, tomada pelos representantes eleitos, não por epidemiologistas.

Na guerra, o poder deve ser transferido aos generais? Na emergência sanitária, devemos recorrer ao “governo dos epidemiologistas”? A resposta democrática é duas vezes “não”. No segundo caso, inclusive, para não converter a ciência em superstição.

Demétrio Magnoli
Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Após a Receita, a PF - ADRIANA FERNANDES

ESTADÃO - 25/04

O ressentimento dos auditores é que Guedes não foi Moro na defesa do Fisco

A interferência política na Polícia Federal, pivô da dramática saída do ministro da Justiça, Sérgio Moro, do governo Jair Bolsonaro reabriu feridas ainda não cicatrizadas na Receita Federal. Ao lado da PF, a Receita teve papel decisivo nas investigações de corrupção na Operação Lava Jato e passou por um processo de esvaziamento da fiscalização comandado com as bênçãos do presidente.

Para quem não lembra, Bolsonaro exigiu do ex-secretário especial da Receita Federal Marcos Cintra cabeças da chefia do órgão na Superintendência do Rio Janeiro (qualquer semelhança com os relatos de Moro em relação ao comando da PF no Rio não é mera coincidência).

Cintra caiu com a história da volta da nova CPMF. O trabalho do Coaf, que identificou operações suspeitas de um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, foi abafado. E a área de fiscalização da Receita passou por uma ampla “reforma”. Assim como acontece agora com a PF, após a saída de Moro, o Fisco teve o comando trocado para dar lugar a um grupo mais amigável e flexível. O círculo se fecha com um Ministério Público ainda “amortecido” sob a batuta de Augusto Aras. O resto já é história.

Bolsonaro faz agora na PF o que fez na Receita. O ressentimento dos auditores que trabalham nas grandes investigações de corrupção é que o ministro da Economia, Paulo Guedes, não foi Moro na defesa do Fisco.

A constatação foi confirmada pelo próprio presidente. No pronunciamento feito ontem, para responder a acusações feitas por Moro de interferência, Bolsonaro usou Guedes para explicar o seu poder de interferir onde quiser no governo com a autoridade de presidente. Mostrou seu estilo. Não usou como exemplo a Receita, mas o Inmetro, outro órgão vinculado ao Ministério da Economia. Bolsonaro disse que avisou a Guedes: “Eu vou implodir o Inmetro, porque, o que eu descobri lá, nós não podemos deixar o povo sofrer dessa maneira”.

“Quando se fala em interferência, tenho aqui um ministro meu, o Paulo Guedes... quando eu vi que o Inmetro, que é um órgão parecido com a Polícia Federal”, relatou o presidente Bolsonaro.

A interferência na PF ocorreu na mesma semana em que viralizou nas redes sociais um vídeo do presidente com um dos principais líderes do Centrão, o deputado Arthur Lira (PP-AL). O Centrão é o grupo de partidos com o qual o governo busca aliança para se fortalecer no Congresso e se contrapor ao atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Com currículo marcado por denúncias de corrupção, Lira é desafeto antigo da Receita pela sua atuação vigorosa em defesa de Refis generosos com os contribuintes devedores contumazes, recheados de perdão e descontos de pai para filho, além de lutar para mudar a legislação que trata da aplicação de multas do órgão.

Foi justamente Lira que comandou o golpe fatal na atuação de investigação da Receita: o “acordão” fechado pelo governo para o fim do chamado voto de qualidade do órgão no Carf, conselho administrativo que julga recursos de empresas multadas pela Receita.

Antes da sanção da lei, quando um julgamento no Carf terminava empatado, os presidentes das câmaras e das turmas tinham o chamado voto de qualidade, isto é, o voto de desempate dos julgamentos. Com a nova lei, em caso de empate, o resultado beneficiará o contribuinte. O “jabuti” foi incluído na MP 899 num acordo com o Centrão. Deram uma rasteira no secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto.

Não foi por menos que o ex-chefe da fiscalização da Receita Iágaro Jung Martins, em entrevista recente ao Estado, disse que, “nas grandes empresas, vai pagar impostos hoje quem quiser”. “O Imposto de Renda vai virar uma festa”, declarou.

A fatura do acordo com o Centrão já começou a ser paga. O script é o mesmo. Estava escrito e só não viu quem não quis.

É JORNALISTA

Não podemos fingir que não vimos - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 25/04

Moro expôs de forma convincente a conduta absolutamente antirrepublicana do presidente


Em condições normais, as acusações que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro lançou contra o presidente Jair Bolsonaro exigiriam a abertura de um processo de impeachment. A narrativa de Moro traz farto material para investigações não apenas sobre crimes de responsabilidade mas também sobre infrações penais comuns.

Tampouco há dúvida de que, quanto antes nos livrarmos de Bolsonaro, melhor será para o Brasil. O presidente só tem a oferecer ao país ignorância, dor e mortes desnecessárias. O vice-presidente, Hamilton Mourão, embora tenha sido convidado a compor a chapa como uma espécie de seguro contra o impeachment, tem se mostrado uma figura muito mais razoável do que o titular.

Penso que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deveria deflagrar o processo de deposição sem demora, mas reconheço haver um complicador: não vivemos um período normal; está em curso uma pandemia que cobra todas as atenções do Congresso.

É preciso aprovar medidas não apenas para combater o vírus como também para minorar o sofrimento econômico que o necessário isolamento social impõe à população e a empresas. Não seria nada fácil conciliar esse trabalho, que é inadiável, com os procedimentos necessários para dar seguimento a um impeachment, que são lentos e tendem a consumir todas as energias do Legislativo --e isso sob regime de trabalho remoto.

Também precisamos que o Executivo, que ainda conta com setores razoavelmente funcionais, siga operando durante a crise; se ele passar a atuar em modo de defesa contra o impeachment, ficará ainda menos eficaz.

Ainda assim, acho que é necessário, por uma questão moral, pelo menos iniciar o impeachment, mesmo que o enfrentamento da pandemia nos force a conduzi-lo em banho-maria. A questão central é que, agora que Moro expôs de forma convincente a conduta absolutamente antirrepublicana do presidente, não podemos fingir que não vimos.

Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Bolsonaro implode o próprio governo - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 25/04

Condições para a abertura do impeachment estão dadas. Bolsonaro desmontou seu próprio governo e ficou encurralado

A duração do governo Bolsonaro agora dependerá do Congresso. Diante da acusação do ex-ministro Sergio Moro, fica difícil para o presidente da Câmara engavetar mais um pedido de interrupção do mandato. As condições para um processo de impeachment estão dadas. Bolsonaro queria informações da Polícia Federal de processos e investigações, inclusive alguns nos quais tem interesse direto. Pressionou ao ponto da demissão do ministro da Justiça que era uma das bases de sustentação do seu governo.

Moro apresentou seu pedido de demissão em uma entrevista na qual tratou diretamente dos fatos que o levaram à decisão. A resposta do presidente veio em forma de um pronunciamento longo, confuso, contraditório. No que disse de substância, ele negou que tivesse pressionado Moro. No final do dia Moro expôs ao Jornal Nacional uma troca de mensagens que mostra que Bolsonaro queria trocar Valeixo por causa do inquérito que investiga parlamentares bolsonaristas. No pronunciamento, Bolsonaro confirmou que queria sim “interagir” com a Polícia Federal. “Quero um delegado que eu possa interagir com ele. Interajo com as Forças Armadas, Abin, com qualquer um do governo”. Nesse aspecto, segundo um delegado da Polícia Federal, ele misturou coisas bem diferentes.

– A Abin, o Exército e as polícias militares analisam cenários e fazem relatórios da situação do país. Nesta crise da saúde, por exemplo, sobre situação de UTI, oferta de equipamento de proteção. A PF é polícia judiciária. Produz relatório para investigação, para apurar fato, materialidade e autoria de crime. Não tem sentido político algum ter conhecimento disso. Mesmo aqui dentro a gente tem o conceito de compartimentar a investigação, e só sabe a equipe de investigação ou quem possa auxiliar – explicou.

Na opinião de juristas que ouvi, o que há na fala do ex-ministro Sérgio Moro se configura em crime de obstrução de justiça. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a abertura de um inquérito de forma capciosa, em que pelos crimes arrolados ele investigará a ambos, caso o Supremo Tribunal Federal autorize o inquérito. De um lado, investigará falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça. Delitos que o presidente pode ter cometido. Por outro lado, fala em denunciação caluniosa e crimes contra a honra, neste caso, tentando atingir Sergio Moro.

Um membro do MPF avalia que Aras errou ao incluir apuração de denunciação caluniosa, porque assim desestimula exatamente aquilo que o Ministério Público tenta incentivar que é denúncias no serviço público. A decisão de Aras “serve como forma de intimidar whistleblowers”. Há mais um erro no processo do PGR: Moro perdeu prerrogativa de foro, disse um ministro do STF. Não pode estar no mesmo inquérito.

Com o inquérito, por mais que Aras continue tentando ajudar Bolsonaro, o presidente e Moro se encontrarão na Justiça. Terão que levar provas do que disseram ou testemunhas. O próprio presidente terá que depor, ainda que tenha a prerrogativa de fazê-lo por escrito.
– A prova de falsidade ideológica é fácil. Basta requisitar ao governo que apresente a cópia do pedido de demissão assinado por Valeixo e o decreto de demissão com a assinatura de Moro – informou a fonte.

Bolsonaro errou também ao falar que a Polícia Federal deveria explicar a investigação do assassinato de Marielle, porque a federalização não foi decidida ainda. Ao lado do presidente, ali naquele palco no Planalto, havia pessoas que estavam em profundo desacordo com o presidente nos eventos que culminaram com a saída. Um deles me disse ter um “sentimento de desalento e tristeza profunda”. Ministros militares tentaram demover o presidente do confronto com Moro, mas Bolsonaro estava decidido a ter mais acesso às investigações da PF.

Bolsonaro agora está encurralado. irou um ministro da Saúde popular no meio de uma pandemia e colocou outro que em uma semana ainda não disse a que veio. Na quinta-feira, quando o Brasil teve 407 mortos pelo Covid-19 - o equivalente à queda de um Boeing 747 -, Bolsonaro estava ocupado em demitir o diretor-geral da Polícia Federal. Com isso, derrubou um dos pilares do seu governo. Tão importante quanto o ministro da Economia.

Bolsonaro sai menor e mais isolado após esta demissão. Seu patético pronunciamento de ontem mostra o quanto ele está perdido. Há uma semana, ele acusou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de conspirar contra ele. Na verdade, quem conspirou contra seu governo foi o próprio Bolsonaro.

Interesses escusos - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 25/04


A decisão do ministro Alexandre de Moraes, relator no Supremo Tribunal Federal (STF) de determinar que os delegados que já estão trabalhando no inquérito sobre fake news há um ano permaneçam na investigação, mesmo com a mudança do diretor-geral da Polícia Federal, é uma demonstração de que a intenção de desmobilizar as investigações pode estar por trás da decisão de Bolsonaro.

As mensagens de WhattsApp apresentadas pelo Jornal Nacional provam que o ex-ministro Sérgio Moro foi assediado pelo presidente Bolsonaro, que baseou a decisão de substituir o diretor-geral da Polícia Federal Mauricio Valeixo na necessidade de interferir no inquérito que corre em segredo de Justiça há um ano no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as fake news, e que será acompanhado agora pelo outro inquérito pedido pelo Procurador-Geral da República Augusto Aras, que terá o mesmo relator, o ministro Alexandre de Moraes.

Tendo sido juiz por mais de 20 anos, Moro foi cuidadoso ao fazer denúncias graves ontem contra Bolsonaro, quando anunciou sua demissão do cargo. Há uma série de acusações que podem ser feitas contra o presidente Bolsonaro, desde falsidade ideológica por ter publicado no Diário Oficial um documento com a assinatura de Moro, negada por ele, até obstrução de Justiça.

Há diversos patamares de gravidade nessas acusações, e certamente a que mais repercutirá no Supremo é a tentativa de interferir no inquérito sobre fake news que corre por lá. Pela natureza de seu temperamento, era previsível que Moro tivesse onde se apoiar para comprovar as acusações, mas evitou fazer ilações sobre os motivos do interesse do presidente Bolsonaro na substituição do superintendente da PF no Rio de Janeiro, por exemplo.

Ao se queixar de que a PF se interessava mais sobre o crime da vereadora Marielle do que com o atentado que sofreu, Bolsonaro demonstrou que não faz diferenciação entre o público e o privado, e se incrimina ao admitir que pediu que a PF ouvisse um miliciano acusado pelo assassinato de Marielle, para exonerar de culpa seu filho 04, Jair Renan, que namorara a filha do policial preso.

O presidente considera normal dar ordens diretas à PF, mas o correto legalmente seria fazer uma petição através de um advogado. Os diversos crimes que cometeu, segundo o ex-ministro Sergio Moro, serão investigados no Supremo Tribunal Federal no inquérito pedido pelo Procurador Aras. Mas Moro, não sendo mais ministro, será investigado por possível denunciação caluniosa na Justiça de primeira instância.

O ex-ministro Sérgio Moro não tinha outra escolha: ele não queria abrir mão da bandeira de combate à corrupção. Saindo do jeito que saiu, escancarando suas divergências com Bolsonaro, ele consegue se redimir de momentos em que evitou, por estratégia política, se confrontar com o presidente.

As denúncias de Moro terão sérias consequências. O agora ex-ministro foi perfeito ao pedir demissão, alegando uma série de ilegalidades cometidas pelo presidente Bolsonaro no exercício do mandato, que terão consequências jurídicas e políticas do quilate da gravidade do que foi relatado.

Moro conseguiu denunciar com muita tranquilidade e frieza, fazendo um balanço de tudo o que realizou, seus ganhos e avanços no combate à corrupção, e terminou dizendo que onde quer que esteja, estará à disposição do país, se colocando como possível alternativa a algum cargo público ou até à presidência da República.

Se Bolsonaro colocar, como está sendo especulado, o ministro Jorge Oliveira na Justiça e Segurança Pública e o delegado da ABIN na PF, estará criando mais um caso grave. Oliveira é quase da família dele, e o delegado foi levado pelo filho Carlos para o governo, para montar esquema de informação paralelo dentro do Palácio do Planalto, segundo denúncia de Gustavo Bebiano. O interesse de Bolsonaro por informações e relatórios de inteligência dá validade a essa antiga denuncia do falecido Bebianno.

Sob o signo de Tânatos - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO -  25/04

Presidente Jair Bolsonaro se inviabiliza no cargo ao se dedicar à destruição de inimigos, de aliados e, por fim, de si mesmo


O governo de Jair Bolsonaro é conduzido sob o signo de Tânatos, o deus da morte na mitologia grega. Dedica-se desde sempre à destruição – primeiro, dos inimigos, reais e imaginários; depois, dos próprios aliados, inclusive ministros que lhe devotavam lealdade; e, afinal, a si mesmo, inviabilizando-se como presidente. É preciso interromper essa escalada antes que Bolsonaro destrua, por fim, o próprio País.

A trajetória da Presidência de Bolsonaro até aqui é impressionante. No início, constituiu um Ministério até razoável, capaz de fazer um bom trabalho em quase todas as áreas, e informou que estabeleceria uma nova forma de relação com o Congresso, sem o velho toma lá dá cá. Um ano e pouco depois, Bolsonaro fez de seu gabinete uma grande barafunda, em que ninguém se entende, e, no Congresso, depois de seguidas derrotas por se negar ao diálogo, resolveu entabular negociação com partidos e políticos envolvidos em escândalos de corrupção, oferecendo-lhes cargos em troca de votos.

Pior: em meio a uma pandemia devastadora, com milhares de doentes e mortos e com o sistema hospitalar público à beira do colapso, Bolsonaro preferiu desdenhar das vítimas e se mostrar mais preocupado com sua popularidade do que com a vida de seus governados.

Com esse espírito destruidor, trata como intocáveis ministros néscios que se dedicam dia e noite a encontrar comunistas embaixo da cama, enquanto inviabiliza o trabalho dos ministros e assessores que, ao contrário, prezam o cargo que ocupam e têm útil e valiosa colaboração a dar. Bolsonaro substituiu o ministro da Saúde porque este não aceitava desrespeitar as orientações da Organização Mundial da Saúde para enfrentar a pandemia de covid-19; desmoralizou sua equipe econômica ao resistir a fazer reformas e ao flertar com a irresponsabilidade fiscal; permitiu a fritura da ministra da Agricultura porque esta se queixou dos ataques bolsonaristas à China, principal cliente do agronegócio brasileiro; e agora tudo fez para provocar a saída do ministro da Justiça porque este se recusou a permitir que ele interferisse politicamente no comando da Polícia Federal (PF).

Para perplexidade dos brasileiros, Sérgio Moro, ao anunciar sua demissão do Ministério da Justiça, informou que Bolsonaro lhe disse que “queria ter (na chefia da PF) uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência”. Para ilustrar a gravidade do caso, Sérgio Moro, com uma pitada de ironia, deu o seguinte exemplo: “Imagine se, durante a Lava Jato, o presidente (Lula), a presidente Dilma ficassem ligando para a superintendência (da PF) em Curitiba para colher informações sobre as operações em andamento”.

Como resposta, o presidente, em pronunciamento espantosamente desconexo, fez várias acusações contra Sérgio Moro – inclusive a de que exigiu uma vaga no Supremo Tribunal Federal e a de que trabalha para vê-lo fora da Presidência – e também colocou em dúvida o trabalho da PF. Em sua glossolalia, contudo, foi incapaz de explicar a essência da denúncia de Moro, a de que tinha interesse em fazer da PF sua polícia particular.

Trata-se de comportamento intolerável, que pode dar as condições para a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro – a Procuradoria-Geral da República já pediu ao Supremo a abertura de investigação sobre a acusação de Sérgio Moro.

Não se pode aceitar como natural que o presidente queira manipular a Polícia Federal, especialmente considerando-se que há investigações em andamento que interessam ao clã Bolsonaro. Se comprovadas as denúncias, o presidente pode ser acusado de crimes de responsabilidade, prevaricação e advocacia administrativa, entre outros.

As vozes responsáveis do País, inclusive de dentro do governo, têm a obrigação de manifestar seu total repúdio ao presidente Bolsonaro, deixando claro que os limites da lei e da decência há muito foram ultrapassados. “É hora de falar”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, resumindo a urgência. “O presidente está cavando sua fossa. Que renuncie antes de ser renunciado. Poupe-nos de, além do coronavírus, termos um longo processo de impeachment. Que assuma logo o vice para voltarmos ao foco: saúde e emprego. Menos instabilidade, mais ação pelo Brasil.”