sábado, junho 06, 2020

Auxílio aos pobres, fazendo contas - MARCOS MENDES

FOLHA DE SP - 06/06

Para haver um amplo programa de transferência de renda, é preciso definir de onde virá o dinheiro


Circulam diversas propostas de ampliação da transferência de renda aos mais pobres. Porém o debate tem colocado o carro na frente dos bois. Cada um apresenta seu programa favorito e exalta os ganhos esperados com redução da pobreza e desigualdade. Na hora de dizer como pagar a conta, é comum que se proponham saídas que não param de pé.

Umas não têm viabilidade política, como acabar com o Benefício de Prestação Continuada, cuja alteração acaba de ser rejeitada pelo Congresso.

Outras prejudicam a recuperação da economia, como aumento excessivo de tributos.

Há sugestões sem viabilidade técnica, como IR sobre informais, impossível de cobrar. E há a tradicional superestimação de valores, por exemplo, esperar que imposto sobre lucros e dividendos arrecade R$ 30 bilhões ou R$ 40 bilhões.

Quando ainda faltam alguns cifrões para fechar a conta, recorre-se, também, ao argumento de que o consumo dos pobres faria a arrecadação decolar, cobrindo os custos.

Vejamos o custo anual aproximado de algumas possibilidades. Dobrar o Bolsa Família custaria R$ 66 bilhões. Dar R$ 400 para 30% das famílias brasileiras mais pobres, R$ 102 bilhões. Pagar R$ 400 para toda criança de 0 a 18 anos sairia por R$ 270 bilhões. Transformar o auxílio emergencial em permanente, R$ 504 bilhões. Uma renda mínima de R$ 300 para todos que não tenham outra renda ou benefício: R$ 528 bilhões.

A delicada situação das contas públicas exige realismo. Se a sociedade quer ter um amplo programa de transferência de renda, precisa definir, antes de tudo, de onde virá o dinheiro e com quanto podemos contar.

A escolha das fontes de recursos deve priorizar a extinção de programas sociais ineficientes e a redução da desigualdade, de modo que o custo deve ser suportado por pessoas de alta renda.

A lista de programas ineficientes é bem conhecida: abono salarial, salário-família, seguro-defeso e Farmácia Popular. Daí viriam R$ 27 bilhões. Não seria fácil extingui-los, pois cada um tem sua clientela. O abono, que representa 73% do total, exige aprovação de PEC.

O fim da desoneração da cesta básica renderia mais R$ 15 bilhões. Já muito se discutiu o nonsense de termos salmão e caviar na cesta básica e o fato de ser um benefício dado igualmente ao rico e ao pobre. Direcionar esse dinheiro só para os pobres seria mais eficiente.

A contribuição de pessoas de alta renda viria da extinção de descontos permitidos no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Ao contrário do senso comum, não é a classe média que paga esse imposto. Os 10% mais ricos são responsáveis por 90% da receita de IRPF.

Os que usam a declaração completa, que dá direito a abatimentos, somados a seus dependentes, representam apenas 13% da população brasileira. A extinção das deduções por dependentes e dos gastos com educação e saúde representaria R$ 28 bilhões.

Há, também, um desconto no IRPF para pessoas maiores de 65 anos e uma isenção total para a aposentadoria de quem tem ou teve doenças graves. Isso custa R$ 25 bilhões.

Esses dois benefícios ficam restritos a pessoas que estão entre os 29 milhões de brasileiros de maior renda, que declaram IRPF. Um pobre, com a mesma idade ou a mesma doença, nada recebe.

Um congelamento da folha de pagamentos, por um ano, sem posterior reajuste para recuperação do valor real dos salários, geraria mais R$ 14 bilhões.

Somando os valores acima, e acrescendo o que já é gasto com o Bolsa Família (R$ 33 bilhões), chegaríamos a R$ 142 bilhões ao ano. É pouco para programas ambiciosos. Não paga três meses de auxílio emergencial. Mas dá para fazer muita coisa.

Se a sociedade quer colocar tudo em transferência de renda, deve estar ciente de que não haverá de onde tirar para outros gastos importantes, como saúde e saneamento.

Para gastar mais que isso, só elevando imposto ou redobrando esforço para cortar outros gastos ou benefícios tributários. O essencial é não criar programas que não se possa pagar.

Marcos Mendes
Pesquisador associado do Insper, é autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?'

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